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Filmes Que Não São O Que Parecem – Noé

Traída por um trailer. Foi assim que me senti durante a exibição de “Noé”, do cineasta Darren Aronofsky. Quando vi o trailer, fiquei maravilhada. Os efeitos especiais, o clima da época, a cena em que o líder dos inimigos diz a Noé: “ Tenho soldados à minha disposição e você sozinho me desafia?” Então, Noé, confiante e tranquilo, responde: “Eu não estou sozinho.” –  Uau! Há muito tempo esperava uma superprodução das histórias maravilhosas do Antigo Testamento. Com os recursos que temos atualmente, daria para fazer cenas grandiosas. Mas…era tudo falso, meus amigos. Cada cena daquele trailer foi cuidadosamente montada para enganar a mim e a você.

Não é nem questão de o filme não ser fiel à Bíblia apenas. É muito pior do que isso. Ele simplesmente conta outra história. Se fosse considerar esse filme realmente como uma interpretação do texto de Noé, eu diria que é uma versão satanista. E olha que não sou adepta de teorias conspiratórias, e não saio por aí chamando qualquer coisa de satanista.

Segundo o filme, quando o Criador expulsou o homem do Paraíso, após Adão e Eva terem desobedecido, um grupo de anjos, que sabia que havia algo de bom no homem (afinal de contas, era a imagem do Criador), ficou com pena da humanidade e resolveu descer para ajudar. O Criador, intolerante, entendeu como traição e puniu aqueles anjos, condenando-os a morarem na Terra, amaldiçoados.

Eles eram luz, mas a partir deste momento, se tornaram gigantes de pedra, fisicamente deformados e tortos (algo como um cruzamento dos Ents, do Senhor dos Anéis, com o monstro de pedra, de História sem Fim e algum parentesco com um monstro de lava – todos em grave estado de desnutrição e com problemas sérios de coluna), mas ainda gente boa. Ensinaram ao homem tudo o que sabiam a respeito da Terra, porque eram bonzinhos e queriam ajudar. Se tornaram os Guardiões e acolheram os filhos de Caim.  Só que foram traídos e desprezados pelos homens, que desvirtuaram o que aprenderam.

Siiim, meus amigos, os demônios, segundo esse filme, são apenas seres bem intencionados que queriam ajudar… Na verdade, em todo o filme, os únicos personagens que despertam alguma empatia no público são esses anjos caídos. Estranho, não? A gente chega a sentir pena deles, pois parecem injustiçados. São bons e simpáticos. Você percebe neles respeito por Deus (!!) e os homens os chamam de “servos do Criador”. Essa perspectiva e a distorção do caráter de Deus, do porquê ele escolheu Noé e a distorção do caráter dos próprios demônios (que, na verdade, caíram porque foram egoístas e orgulhosos, nunca tentaram ajudar ninguém), faz com que eu desconfie seriamente que o filme foi inspirado por um demônio que queria se autopromover.

Como não se trata do Noé que a gente conhece, vou chamá-lo de “Nãoé”. :) No início do filme, os filhos de Caim matam o pai do pequeno Nãoé e roubam uma pele de cobra que ele usava para fazer um ritual de “transferência do direito de primogenitura”, algo como tornar-se protetor do meio-ambiente. Os filhos de Caim são malvados porque exploraram os recursos naturais até que a terra se tornasse árida, comem carne, vivem como seres bestiais famintos (isso eu não entendi. O lugar não tem vegetais e os carnívoros é que passam fome?) e não têm educação.

Um dia, Nãoé sonha com gente morta debaixo dágua e entende que o Criador destruirá o mundo. Sabe que tem que fazer alguma coisa, mas não sabe o quê. Como viu também no sonho a montanha em que mora (sozinho) o avô Metusalém, segue para lá com a família. No caminho, encontra um vilarejo destruído e uma menina ferida, Illa, quase da idade de seu filho Sem (todos os filhos de Nãoé são pequenos). Adota a menina. Na estrada, também encontram os demônios gigantes de pedra com problemas de coluna. Desconfiadas, as criaturas não aceitam ajudar a família e deixam todos em uma vala. No entanto, um gigante com cara de dó volta durante a madrugada para ajudá-los a escapar e segue com eles até a montanha.

Vovô Metusalém é uma espécie de bruxo ou xamã. Dá um chazinho alucinógeno para Nãoé, que vê a arca. (Não é Deus que fala com Noé, é o alucinógeno de Metusalém.) Ele também dá uma semente mágica do Éden a Nãoé, que a planta na terra seca. Essa semente é tipo um feijão mágico vitaminado. Quando os outros demônios vêm levar o demônio traidor, entendem que Nãoé realmente falou com o Criador e resolvem ajudar. Uma floresta cresce em cinco minutos (super feijão mágico) e Nãoé vê ali a madeira para a sua arca. Mãos à obra! A família começa o trabalho, mas quem realmente faz a arca é o diabo e os demônios! Em dez anos, concluem o trabalho. (Na Bíblia levou cem anos, mas no filme, com a ajuda dos demônios, apenas dez.)

Nãoé se convence de que nenhum humano merece viver, nem mesmo sua família. Começa a se tornar egoísta e fanático. Se despersonaliza e agora acredita que a missão deles é salvar os animais, que são inocentes, e manter a Terra limpa dos humanos. Humanos, a sujeira do universo. Ele não é escolhido pelo criador por ser bom, mas por ser obsessivo o suficiente para completar a tarefa. Enquanto no original:

“Disse o SENHOR a Noé: Entra na arca, tu e toda a tua casa, porque reconheço que tens sido justo diante de Mim no meio desta geração.” (Gênesis 7.1)

O filme tenta distorcer a noção de “justo” e “justiça”, usando essas palavras fora de contexto diversas vezes, para tentar transformar Noé e Deus em algo que eles nunca foram. Imagino que possa causar confusão na mente de pessoas que não têm muita noção de quem Deus é e se sentem perdidas em um mundo com tanta maldade e injustiça. Sutilmente elas serão levadas a uma interpretação distorcida da mensagem original.

Arca pronta, os animais começam a entrar e são colocados para dormir com uma fumaça-sonífero. Aí, vamos ao anticlímax total: lembra daquela cena do Trailer? Aquela que eu achei superforte, em que o líder dos inimigos diz a Noé: “Tenho soldados à minha disposição e você sozinho me desafia?” Então, Noé, confiante e tranquilo, responde: “Eu não estou sozinho”.

Pois é…no trailer parecia que ele estava falando de Deus. No filme, quando ele diz isso…adivinha? Se levantam atrás dele todos aqueles demônios de pedra. Só pode ter sido de propósito. Quem quer que tenha montado aquele trailer estava realmente a fim de fazer uma piadinha de mau gosto.

Nem a narrativa presta. O filme tem muitas cenas inúteis e sem noção. Por exemplo, em um momento que deveria ser tenso, quando Cam foge para procurar uma esposa justo na hora de fechar a arca, Illa (namorada/esposa/irmã adotiva de Sem) sai atrás de Cam e encontra o vovô Metusalém na floresta. Ele dá um passe que a deixa com dor de barriga e meio ninfomaníaca. O mundo está acabando, mas Ila ataca Sem no meio do caminho, totalmente sem noção do momento ideal (e do local apropriado) para se fazer as coisas (sério, ela começa a beijar ele e você entende que vão tirar a roupa ali mesmo…).

O diabo (líder dos demônios) morre defendendo a arca, pede ao Criador que o perdoe, vira novamente um anjo luminoso e vai para o céu (momento piada que me fez rir), enquanto o outro (que tem cara de coitadinho) diz, com voz abobalhada: “o Criador levou ele para casa!” Então…todos eles querem defender a arca para serem levados de volta para o céu…e, de fato, são. Quer dizer, o diabo é bom, Deus não está nem aí para ninguém (além de ser psicopata, está muito, muito longe. Não dá para contar com Ele) e o homem é que é ruim. No filme, não tem como se livrar do mal, pois ele está dentro do ser humano. A saída? Não dá para entender racionalmente, não. Tem a ver com amor-sentimento e se deixar levar pelo coração. Bela pregação do inferno e completamente contrário ao que a gente acredita.

Dentro da arca, a família infeliz ouve os gritos das pessoas lá fora e insiste com Nãoé para resgatá-las, pois são pobres pessoas inocentes e famintas (manipulação emocional descarada).

“Viu o SENHOR que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração” (Gênesis 6.5) Ou seja, não eram homens famintos buscando comida. Não eram pessoas inocentes, coitadinhas, ignorantes cujo maior erro era comer animais. Não eram pobres criaturas injustiçadas. Era continuamente mau todo desígnio do seu coração. Todo desígnio do coração. De todo mundo, exceto Noé. Como eles iam se arrepender? Como poderiam mudar se não conseguiam enxergar seu erro? E, versículos 7 a 9:

“Então, se arrependeu o SENHOR de ter feito o homem na terra, e isso Lhe pesou no coração. Disse o SENHOR: Farei desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver feito. Porém Noé achou graça diante do SENHOR. Eis a história de Noé. Noé era homem justo e íntegro entre os seus contemporâneos; Noé andava com Deus.”

A ideia não era extinguir o homem, mas começar de novo. Deus escolheu Noé porque ele era diferente do restante da humanidade. E decidiu destruir o resto porque, entenda: pessoas vivendo na maldade e na injustiça já estavam mortas diante dEle. Apenas oficializaria sua condição.

Algum tempo depois, Ila descobre que está grávida ao cuspir em uma folhinha mágica…tipo um teste de farmácia pré-diluviano…hahaha… O problema é que Nãoé está convencido de que o criador quer exterminar sua família (Nãoé não leu a Bíblia). A notícia estraga o plano perfeito para a extinção da humanidade. Ele fica revoltado e tem mais um surto psicótico. Acredita que o Criador quer que ele mate o bebê, se for menina, para evitar que faça mais homenzinhos.

Obviamente, como o leitor já adivinhou, vai ser menina. Mas a partir daí o filme vira um dramalhão mexicano, com tentativas de manipulação emocional e tom sombrio, com Nãoé piradão andando pela arca com cara de psicopata e sua esposa magoada e histérica. Não há fé ou demonstrações de grandeza interior. E o Deus do filme é totalmente ausente, omisso, intolerante e cruel. Mais ou menos o que pensam dEle os que interpretam a Bíblia de modo raso e infantil.

Resumindo, Illa entra em trabalho de parto e tem gêmeas. Na hora em que vai esfaquear a cabeça das criancinhas, Nãoé sente amor no coração e o amor vence o ódio. O ódio, no caso, era a ordem do “criador”. Quando resolve desobedecer, Nãoé consegue ser sensato. (oi?)

Mesmo com o conflito resolvido, ao sair da arca, ninguém mais é feliz, nem inocente. Todo mundo matou ou pensou em matar. Não fala de aliança entre Deus e a humanidade, a mensagem original não é passada, o sentido original é distorcido. A história linda descrita nos capítulos 6, 7, 8 e 9 de Gênesis foi transformada em uma palhaçada. Gastaram milhões para enganar os espectadores e fazer uma babaquice pior do que Transformers. Mas dá dinheiro, e isso é o que Hollywood quer. Em um mundo onde o ceticismo burro impera e é fora de moda dizer que acredita em Deus, “Noé” consegue a proeza de enganar cristãos e ateus. Os primeiros, vão assistir por achar que é um filme espiritual. Os outros, vão assistir achando que não é espiritual.

O filme termina, sem que você tenha muita ideia de qual foi a intenção. Um sermão ecológico sobre não destruir os recursos naturais e se manter vegano mesmo no deserto? Uma discussão existencialista sobre “o ser humano merece viver?” Um filme de ficção com batalhas sem graça e personagens rasos? Um filme de terror com sangue espirrado, corpos em estado de putrefação e homens bestializados matando e morrendo por fome? Uma novela mexicana?

Um filme sem graça e mal escrito, pesado e arrastado, com personagens rasos e histórias ridículas. Há quebra de ritmo em diversos pontos e o personagem principal fica doido de uma hora para outra. É risível. Meu marido comentou que apenas dois filmes fizeram com que ele tivesse vontade de sair do cinema antes de terminar. Noé e “The Fountain”. Por coincidência, ambos de Darren Aronofsky. Cansativos, pretensiosos, arrastados, emocionalmente carregados e com tendências ecologico-newage-existencialistas.

O “Noé” do filme não tem nada a ver com o personagem original; o Deus do filme não tem nada a ver com o Deus da Bíblia, a história do filme não tem nada a ver com a história da Bíblia. O roteiro é tão ruim que precisou de um trailer-isca para enganar os incautos. Quero ver se pegassem um livro do Tolkien e fizessem uma distorção desse nível. A essa altura você teria uma porção de nerds dilacerando o roteirista e organizando boicotes em massa. Nunca mais o estúdio se atreveria a fazer algo parecido. O pessoal já ficou indignado porque no segundo filme do “Hobbit” acrescentaram uma personagem que não existia no livro! Imagina se alterassem toda a história, personalidade e caráter de absolutamente TODOS os personagens? O trabalho foi malfeito, mesmo. Eu me senti enganada, traída e assaltada.

Para mim, o verdadeiro roteirista desse filme (por trás do ser humano) foi o mesmo espírito que falou com o amigo perturbadinho de Jó…

“Uma palavra se me disse em segredo; e os meus ouvidos perceberam um sussurro dela. Entre pensamentos de visões noturnas, quando profundo sono cai sobre os homens, sobrevieram-me o espanto e o tremor, e todos os meus ossos estremeceram.

Então, um espírito passou por diante de mim; fez-me arrepiar os cabelos do meu corpo; parou ele, mas não lhe discerni a aparência; um vulto estava diante dos meus olhos; houve silêncio, e ouvi uma voz: Seria, porventura, o mortal justo diante de Deus? Seria, acaso, o homem puro diante do seu Criador? Eis que Deus não confia nos seus servos e aos seus anjos atribui imperfeições; quanto mais àqueles que habitam em casas de barro, cujo fundamento está no pó, e são esmagados como a traça! Nascem de manhã e à tarde são destruídos; perecem para sempre, sem que disso se faça caso. Se se lhes corta o fio da vida, morrem e não atingem a sabedoria.” (Jó 4.12-21)

E:

“Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce de mulher, para ser justo? Eis que Deus não confia nos seus santos; nem os céus são puros aos Seus olhos, quanto menos o homem, que é abominável e corrupto, que bebe a iniquidade como a água!” (Jó 15.14-16)

Esse é o espírito que ajudou a escrever o roteiro de “Noé”. Não é um raciocínio muito semelhante? A forma de distorcer as coisas, dizendo que o diabo não é mau, Deus é que atribui imperfeição a tudo! E o ser humano é um nada, pó, ridículo e desprezível. Essa é a visão do diabo, não de Deus.

O objetivo de Deus sempre foi conseguir uma forma de redimir a humanidade, a quem Ele ama e sempre amou. O diabo nos despreza e sente profunda inveja porque Deus deu ao homem o privilégio de ser chamado Seu filho e de cuidar de tudo o que Ele fez. Se alguém tivesse clamado, querendo ouvir a Deus, como o chefe malvado fez em certo momento do filme, certamente ele não teria ficado de fora.

“Desviando-se o justo da sua justiça e praticando iniquidade, morrerá nela. E, convertendo-se o perverso da sua perversidade e fazendo juízo e justiça, por isto mesmo viverá.” (Ezequiel 33.18,19)

O filme não mostra as falas maravilhosas de Deus, seu amor pela humanidade, sua misericórdia, sua aliança com Noé… além de destruir a imagem de Deus e o que Ele pensa da humanidade, faz parecer que obedecer a Deus é algo ruim, que transforma homens pacatos em psicopatas…

Espero que esse texto ajude a evitar que você gaste seu suado dinheirinho com algo que não vale nem um centavo, principalmente por passar uma mensagem mentirosa. E espero que evite que você gaste duas horas e meia de sua vida com uma bobagem desse nível. O alerta é para que ninguém mais seja enganado como eu fui. Há uma diferença enorme entre um filme que assume que é mera ficção, fantasia, e um filme que finge ser uma coisa no trailer e é outra na exibição.

Vanessa Lampert

PS: Agora você consegue entender a campanha: “Eu não vou assistir a Noé” que tomou conta do Instagram ontem. É tanta baboseira no filme que nem dá vontade de comentar, só de alertar os amigos para que não percam tempo. Mas como muita gente estava achando que o que tinha de diferente da Bíblia era só uma ou outra adaptação e estava curiosa para assistir, achei que seria importante escrever.

PS2: Quer economizar seu dinheiro e seu tempo, mas ainda quer saber mais detalhes da história? Eu escrevi a sequência completa do filme, para que você conheça a história sem precisar gastar duas horas e meia no cinema. Mas ficaria grande demais para colocar aqui, então vou deixar o link. Clique aqui para ler.

PS3: Quanto aos efeitos especiais, sinceramente, não vi nada que já não tivesse visto em outros filmes. Eu entenderia o argumento de “ver por causa dos efeitos especiais” se estivéssemos falando de Avatar, por exemplo, que cria outro mundo, ou mesmo Senhor dos Anéis. “Noé” peca até nisso. Para quem está habituado a filmes com efeitos especiais, é fraco.

UPDATE: Não achei que precisaria explicar isso, mas vamos lá: Na Bíblia, os anjos que ficaram no céu são anjos. Os que caíram, são demônios. No filme, os Guardiões são anjos caídos, logo, demônios. O chefe deles chama-se Samyaza, nome identificado com o líder dos demônios no livro apócrifo de Enoque. Então, eu não estou inventando nada quando chamo os gigantes de pedra de demônios. O básico de qualquer adaptação cinematográfica é manter-se fiel ao espírito do original. Isso é teoria do roteiro. Você pode (e deve) adaptar à linguagem do cinema, omitindo algumas coisas e criando outras, para que a história flua bem na tela e seu roteiro seja original, mas sem descaracterizar a história, ou é melhor chamá-la de outra coisa. O que Aronofsky fez em “Noé” não é uma adaptação.

Para quem assistiu a (ou leu) “Senhor dos Anéis”: é como se ele fizesse um filme em que Sauron é bonzinho, os Orcs ajudam os habitantes da Terra Média e o anel deixa as pessoas melhores…e chamasse isso de “Senhor dos Anéis”. E no trailer, desse a entender que seria uma adaptação. Seria visto como um roteirista incompetente e execrado pela opinião pública e crítica especializada. E Hollywood já fez boas adaptações, inclusive bíblicas, mas em um passado muuuito distante.

 

*Texto originalmente publicado no blog Cristiane Cardoso

Noé – o pior filme do mundo

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Assisti ao filme Noé e me senti enganada pelo trailer (leia mais sobre isso no texto que escrevi para o blog da Cristiane). Para quem, mesmo assim, ainda tem curiosidade sobre o filme, segue a sequência. Se você ainda quer assistir, eu sugiro que leia esse texto antes, até o fim…a menos que você não tenha nada mais para fazer com o dinheiro do ingresso e com as duas horas e meia de sua vida, que o filme lhe sugará, e que não voltam nunca mais. Garanto que você lerá esse texto em bem menos tempo do que isso. E certamente se divertirá mais. 🙂 O filme é arrastado, sombrio e com graves problemas de ritmo. Quando você pensa que vai engrenar, desacelera. E quando você acha que vai ter algo interessante, aparece uma cena confusa qualquer. Então, eliminei essas coisas mais chatas e fiz as sequências de cenas, para dar um panorama da coisa. Talvez algo pareça sem sentido, mas é porque não teve sentido mesmo:

O Criador fez o homem à Sua imagem e semelhança. O homem escolheu desobedecer, ao dar ouvidos a uma serpente e comer o fruto proibido (que pulsava como um coração. Primeiro momento em que eu ri no filme). O Criador, então, puniu o homem, expulsando o casal Adão e Eva do Jardim do Éden, condenando os dois a se esforçarem pela comida. Ao ver isso, um grupo de anjos bonzinhos, mas meio abobalhados, que sabia que havia algo de bom no homem (afinal de contas, era a imagem do Criador), ficou com pena da humanidade e resolveu descer para ajudar (a imagem deles é de uma silhueta de luz. O tipo de efeito especial que a gente sabe que em poucos anos vai parecer ridículo para um olho treinado). O Criador entendeu como traição e puniu aqueles anjos, fazendo com que eles se tornassem parte da Terra. (Já que – teoricamente – estamos falando da Bíblia, lembremos que: Anjos caídos = demônios)

Eles eram luz, mas a partir deste momento, se tornaram gigantes de pedra, fisicamente deformados e tortos (mas com um luzinha lá dentro). Mas eles são legais. Eles ensinaram ao homem tudo o que sabiam a respeito da Terra, porque eram bonzinhos e queriam ajudar. Se tornaram os Guardiões e acolheram os filhos de Caim, mas foram traídos por esses homens malvados, que desvirtuaram aquilo que eles haviam ensinado. E ainda se voltaram contra eles! Demônios, as vítimas inocentes.

Os filhos de Seth (o outro filho de Adão e Eva), eram os “preferidos” do Criador, e mais civilizados. Noé era um deles. Os filhos de Caim mataram o pai do pequeno Noé e roubaram uma pele de cobra que ele usava para fazer um ritual estranho de “transferência do direito de primogenitura”, algo como tornar-se protetor do meio-ambiente. Corta para a cena de Noé adulto, com seus filhos pequenos, observando plantinhas. Um bicho que parecia um cachorro com escamas aparece ferido por homens miseráveis e famintos, meio bestiais, mas que só querem comer o animal. Os filhos de Caim. Desesperado, ferido, caído no chão, um deles pergunta: “O que você quer?” E Noé, malvadão, responde: “Justiça” – e mata o indivíduo. Esse Noé era vingativo. Carnívoros devem morrer.

A essa altura do campeonato você já percebeu que esse cara não é o Noé que você conhece. Então vou chamá-lo de “Nãoé”. 🙂 Nosso amigo Nãoé tem uma mulher e três filhos pequenos: Sem, Cam e Jafet. O local é tipo um deserto, sem árvores, terra seca, nada de vegetação. Mesmo assim, de alguma forma ninja, Nãoé é vegano.

Nãoé sonha com gente morta debaixo dágua e entende que o Criador destruirá o mundo. Sabe que tem que fazer alguma coisa, mas não sabe o quê. Como viu também no sonho uma montanha, que é onde mora (sozinho) o avô centenário (originalmente todo mundo era centenário), Metusalém, segue para lá com a família. No caminho, encontra um vilarejo destruído e uma criança ferida, Illa, única sobrevivente, quase da idade de seu filho Sem. Eles adotam a menina. A esposa de Nãoé diz que ela vai sobreviver, mas será estéril (deve ter feito um ultrassom pré-histórico, pois não sei como seria possível descobrir isso por um simples corte na barriga, em uma região que provavelmente só pegaria o intestino…).

Se livram de outro grupo de malvadões porque encontram aqueles demônios gigantes de pedra com problemas de coluna. Os demônios gigantes ficam desconfiados e não aceitam ajudar a família. Eles não gostam dos humanos, porque os humanos desobedeceram ao Criador (demônios, como todo mundo sabe, gostam muito do criador…). No entanto, um desses gigantes volta durante a madrugada para ajudá-los a escapar e segue com eles. Na verdade, todos os personagens do filme são muito mal construídos. Os únicos personagens que despertam alguma empatia no público são os demônios. A gente chega a sentir pena deles, pois parecem injustiçados.

Metusalém é uma espécie de bruxo. Dá um chazinho alucinógeno para Nãoé, que alucina com a Arca. Não ouve nada, nenhuma instrução. Apenas vê a arca e sabe que tem que construir aquilo para se livrar do dilúvio. Metusalém também dá a Nãoé uma semente mágica do Éden e ele a planta na terra seca. Quando os outros demônios vêm levar o demônio traidor, veem água brotando do chão, entendem que Nãoé realmente falou com o Criador e resolvem ajudar.

Então… Uma floresta cresce em cinco minutos (do superfeijão mágico do Éden) e Nãoé vê ali a madeira para a sua Arca. Mãos à obra! A família começa o trabalho, mas quem realmente faz a Arca é o diabo e seus demônios!! Em dez anos, concluem o trabalho.

Eu gosto de filmes de fantasia. Estou escrevendo um livro que pode ser categorizado como fantasia. Não tenho o menor preconceito com isso. Então, a certa altura do filme, tentei abstrair, para ver se como entretenimento de fantasia a obra prestava. Imaginei que aquele não era Noé, era Joaquim. O Joaquim da Arca.

Joaquim da Arca vai buscar esposas para seus dois filhos no meio dos humanos esfomeados e os vê matando animais e arrastando mulheres para trocá-las por comida, em uma barbárie primitiva. Então, ele se convence de que nenhum humano merece viver, nem mesmo sua família, e decide não buscar esposas para Cam e Jafet (Sem se arranjou com a irmã postiça, Illa Hermione, cover da Bella, do Crepúsculo), o que deixa o adolescente Cam revoltado – e com razão, mas Joaquim da Arca não está nem aí para ele. Começa a se tornar egoísta e fanático. Se despersonaliza e agora acredita que a missão deles é salvar os animais, que são inocentes, e manter a Terra limpa dos humanos. Humanos, a sujeira do universo.

Arca pronta, os animais começam a entrar e são colocados para dormir com uma fumaça-sonífero mágica (haja sonífero para deixá-los dormindo por meeeeses). O malvadão (que ninguém me convenceu que é realmente malvado, é só um miserável líder de homens famintos que comem carne. Tipo a maioria dos humanos que conhecemos hoje) descobre que a arca está sendo construída e resolve ir também porque, afinal de contas, eles também merecem sobreviver. Você ficaria com pena deles, se conseguisse sentir alguma coisa por algum personagem do filme (além dos demônios com cara de dó).

Aí, vamos ao anticlímax total: lembra daquela cena do Trailer? Aquela que eu achei superforte, em que o líder dos inimigos diz a Noé: “Tenho soldados à minha disposição e você sozinho me desafia?” Então, Noé, confiante e tranquilo, responde: “Eu não estou sozinho”.

Pois é…no trailer parecia que ele estava falando de Deus. No filme, quando ele diz isso…adivinha? Se levantam atrás dele todos aqueles demônios de pedra. Quem quer que tenha montado aquele trailer estava realmente a fim de fazer uma piadinha de mau gosto.

Então…os “malvados injustiçados” voltam para o acampamento e se preparam para a batalha. Na hora de ir para a batalha, o chefe dos malvados tenta falar com o Criador, pois não entende por que ele está sendo rejeitado. Pede várias vezes para o Criador falar com ele, mas esse tal Criador não fala com ninguém nesse filme, só se tomar o “boa noite Cinderela” do vovô Metusalém. Como o chefe dos malvados não tem chazinho alucinógeno, pega sua bazuca recém-construída (porque tinha arma de fogo naquele tempo, né?) e segue para a batalha, gritando ensandecido.

Totalmente sem noção do momento ideal para se fazer as coisas, Cam resolve sair para caçar esposa no meio dos filhos de Caim. Despenca em uma vala cheia de corpos apodrecendo e ali encontra uma moça suja e descabelada. Ela está com fome e ele oferece farelinhos de qualquer coisa dentro de um lenço sujo. É amor à primeira vista. Eles ficam lá, abraçados naquele lugar romântico (afinal de contas, o mundo nem estava acabando), até que começa a chover e ele foge com ela em direção à Arca. No caminho, ela prende o pé em uma armadilha e fica gritando, desesperada, porque os malvadões resolvem surgir do nada no exato instante. Também no exato instante, Joaquim da Arca aparece e puxa Cam, deixando a pobre garota gritando no chão, até ser pisoteada e esmagada pelos malvadões (sério). Naoé não está nem aí.

Calma, calma, um pouco antes. Quando Cam sai para caçar esposa, Illa, namorada/esposa/irmã adotiva de Sem sai atrás dele e encontra o vovô Metusalém na floresta. Sem também sai atrás dela, em busca do irmão. Metusalém dá um passe que a deixa com dor de barriga e meio ninfomaníaca. O mundo está acabando, mas Ila ataca Sem no meio do caminho, totalmente sem noção do momento ideal para se fazer as coisas. Depois  voltam, sorridentes, para a Arca. Tio Joaquim pergunta de Cam. Ops. Esquecemos Cam, estávamos fazendo coisas que não se deve fazer no meio da floresta mágica à beira do fim do mundo. Joaquim Nãoé resolve sair correndo atrás do filho pirado e o encontra com a futura garota pisoteada (e essa parte eu já contei no parágrafo anterior).

Corta para a galera tentando ultrapassar a barreira de Guardiões de pedra e sendo devidamente esmagada por eles, enquanto Joaquim e Cam conseguem passar sem ser esmagados (que pena). Segue uma cena de batalha mequetrefe, com gigantes de pedra esmagando dúzias de humanos de uma só vez para defender a Arca. O demônio chefe é morto, pede ao Criador que o perdoe e vira novamente um bichinho de luz, saindo em formato de anjo luminoso, para o céu, enquanto o outro (que tem cara de coitadinho) diz, com voz abobalhada: “o Criador levou ele para casa!” Então…todos eles querem defender a Arca para serem levados de volta para o céu…

Joaquim continua matando homens malvados alucinadamente enquanto a chuva cai. Enfim, quando todos os demônios de pedra já se transformaram em borboletinhas luminosas e foram para o céu, uma das coisas mais inúteis do filme acontece: o chefe dos malvados consegue entrar na Arca. Ele fica lá, por alguns meses, extinguindo parte da vida animal da Terra e sendo cuidado pelo abobalhado Cam (todo mundo é meio abobalhado nesse filme). Ele faz um discurso sobre como os humanos são superiores e foram colocados para subjugar outras espécies. Arranca com os dentes a cabeça de um réptil, mostrando que comer carne crua é coisa de malvado.

Um milagre, então, acontece: a estéril Illa descobre que está grávida ao fazer um teste de farmácia com uma folhinha mágica. Momento ruim, já que poucos dias antes ouviram todo um sermão do Joaquim Nãoé sobre a queda do homem e como o Criador quer se ver livre dessa praga. Contam a novidade ao patriarca, estragando todo o plano perfeito para a extinção da humanidade. Ele fica revoltado e tem mais um surto psicótico. Acredita que o Criador quer que ele mate o bebê, se for menina, para evitar que faça mais homenzinhos.

Obviamente, como o leitor já adivinhou, vai ser menina. Mas a partir daí o filme vira um dramalhão mexicano, com tentativas de manipulação emocional com texto raso, chegando ao ponto da esposa de Noé dizer a ele que se ele matar o bebê, ela vai odiá-lo, desprezá-lo e nunca o perdoará. Ela diz isso gritando e babando. Não há fé ou demonstrações de grandeza interior. E o Deus do filme é totalmente ausente, omisso, intolerante e cruel. Mais ou menos o que pensam dEle os que interpretam a Bíblia de modo raso e infantil. O que existe em Noé é um psicótico fanático e descontrolado, falando de um Criador que só existe em sua cabeça. E todas as coisas são tão rasas e absurdas que não me conquistaram nem como filme de ficção.

O tempo passa, a tensão mexicana aumenta, ninguém mais conversa na Arca, todo mundo odeia Noé. Ele quer matar o bebê, Sem quer matar Noé e Cam está alimentando o chefe dos malvadões que também quer matar Noé. Como sempre, tudo acontece na mesma hora: o malvadão fica forte e tenta matar Noé, com a ajuda de Cam; Illa entra em trabalho de parto e tem gêmeas e Sem resolve matar Noé, just in case. No momento mais dramático, a arca encalha em uma pedra, derrubando Sem. Cam mata o malvadão, evitando a morte de Noé e eu fiquei sem saber por que raios esse cara apareceu na arca…provavelmente para extinguir os cachorros escamosos e os lagartos de cabeça vermelha.

Bem, Noé não se abala com toda essa coisa de meu-filho-me-traiu-alimentou-meu-inimigo-e-tentou-me-matar e mesmo assim sai, com uma faca, para matar as recém-nascidas (malfeitas por computador). Ele está decidido a esfaquear a cabeça das criancinhas e a mãe vai deixar, mas ao ouvi-la cantar a musiquinha que ele cantava para ela na infância e que o pai dele cantava para ele, ele sente amor no coração e o amor vence o ódio. O ódio, no caso, era a ordem do “criador”. A esposa de Noé está feliz, pretende dar uma menina para Cam e outra para Jafet no futuro.

Deprimido por não ter conseguido ser malvadão até o fim, Noé se isola e resolve beber, longe da família (depois de esperar as uvas nascerem do lado de fora da arca, é claro). Cam vê o pai pelado e deprimido e resolve ir embora. Afinal de contas, ele já é adolescente. Vai ter que esperar mais uns dezesseis anos até poder casar com uma das sobrinhas. Melhor andar errante pelo mundo desabitado, não é mesmo? Com uma mochila pós-diluviana nas costas, ele sai, em direção a lugar nenhum, para se encontrar com ninguém.

Illa dá uma nova versão da história para Nãoé, que aplaca seu sentimento de culpa. Segundo ela, tudo foi um teste do criador, para ver se Nãoé saberia fazer a escolha certa. Era tudo uma questão de Nãoé decidir se eles eram ou não dignos de serem salvos. Nãoé fica satisfeito com a explicação e volta para a família. Ninguém mais é feliz, nem inocente. Todo mundo matou ou pensou em matar. O criador faz um show pirotécnico com arcos celestes coloridos.

O troço termina com o ritual de “enrolar a pele da serpente no braço” e toda aquela lengalenga de “passar o direito de primogenitura” para as duas bebês que não fazem a menor ideia do que aqueles adultos tanto falam.

O filme termina, sem que você tenha muita ideia de qual foi a intenção. De qualquer forma, não é um filme bíblico. É um filme cujos personagens têm nomes de personagens bíblicos e que, por coincidência, fala de um dilúvio. As semelhanças com a narrativa bíblica terminam aí. O problema é que quem não conhece a Bíblia – ou conhece superficialmente, começa a achar que o filme é bíblico e que as coisas foram mais ou menos assim. E pode começar a pensar que os demônios não são assim tão maus e que Deus não é assim tão bom.

Como fantasia, é chatíssimo. Como ficção filosófica, muito raso. Como adaptação bíblica, é totalmente falso. Logo, foram as duas horas e meia mais desperdiçadas de toda a minha vida. Ganhou do último Transformers, aquele em que o babyliss da moça suporta toda a sequência confusa de luta. Felizmente, em poucos anos, o público vai rir dos anjos luminosos e dos bebês de GC à la Crepúsculo, então é um filmeco de vida curta. Mas que foi um desperdício de milhões que me deixou muito, mas muito indignada com Hollywood, isso foi.

Se você não leu meu texto no blog da Cris, sugiro que leia (clique para ler). Lá eu falo a respeito da minha teoria sobre quem realmente escreveu o roteiro…