Mês: maio 2010

Vento do Moinhos

Horário de almoço, resolvi dar uma volta na região, antes do almoço propriamente dito. A chuva caía, discreta, como somente Porto Alegre sabe chover. Saquei a pequena sombrinha da bolsa e fui, charmosamente, subindo as lindas ruas do Moinhos de Vento. Não vi moinho algum, mas o vento me pegou a uma quadra e meia dali. Virou minha sombrinha do avesso, amassou, mastigou e cuspiu fora. Olhei e havia duas opções: rir ou chorar. Escolhi rir. As hastes quebradas, retorcidas, descolaram do tecido. Toda a estrutura desmoronara. Não houve outro destino possível, ela teve de ir para o lixo. Eu gostava dela, mas não pude fazer nada, nem curtir o luto, devido à situação periclitante. Felizmente consegui abrigo sob os guarda-sóis de um pub (porque nos outros bairros tem barzinho, mas o Moinhos tem Pub. Bairro chique é outra coisa).

Fiquei lá, parada, vendo a chuva chover, até que, como um enviado divino, um vendedor de guarda-chuvas, magro e moreno, surgiu oferecendo guarda-chuvas superfaturados. Em dias secos, eles custam dez Reais, mas em plena chuva, não menos de vinte. Fazer o quê? Lá se foi meu almoço, mas troquei vinte pila por um guarda-chuva grande, que o cara jurou que não se desmontava. Ok, saí toda feliz, armada com um novo guarda-chuva, de xadrez azul, bonitinho. Meia quadra abaixo, uma nova rajada de vento ensandecida veio por baixo do dito-cujo e virou as hastes e a tela do avesso. As hastezinhas sem-vergonha entortaram feio e somente aí eu percebi a péssima qualidade da coisa.

Todo um novo mundo se abriu para mim quando meu guarda-chuva virou do avesso. Os guarda-chuvas não são todos iguais. O tempo parou por um instante, vi as pessoinhas congeladas, e em seguida, em slow-motion, com seus guarda-chuvas e sombrinhas bem firmes, abertos, enquanto o meu dançava para lá e para cá, entortando-se a seu bel-prazer. Pensei: “onde raios essas pessoas compram seus guarda-chuvas? Como eles serão por dentro?”. Os guarda-chuvas não são todos iguais. O rapaz vendedor dos guarda-chuvas made in Ferno (certamente ele era enviado de uma entidade nada divina) passou novamente. Eu mostrei a ele o que havia acontecido e ele, cara-duramente disse que nada poderia fazer e ainda me advertiu que eu deveria cuidar melhor do produto…hahahaha…eu disse: “com certeza, da próxima vez não sairei com ele na chuva, para não estragar”.

Os danos foram irreversíveis. Duas hastes entortaram-se como os talheres de Uri Geller. O mais interessante é que eu ficava parada, esperando o vento cessar. Nada de vento. Caminhava. O vento aparecia, subitamente. Se eu parasse, ele parava também. Ele me perseguia. Ou eu era o vento. Resultado: fiquei sem almoço e cheguei na imobiliária encharcada como se tivesse tomado um banho na rua. Feliz – porque eu sou uma pessoa feliz – pela oportunidade de encarar uma situação extrema, na qual é praticamente impossível encontrar um lado bom. Eu sempre encontro. Encontrei vários. Alguns foram arrastados pelo vento, mas eu os encontrei, não importa. E fiquei feliz por não ter feito uma escova ontem, ou teria perdido sessenta Reais ao invés de vinte.

Entrei na imobiliária e foi impossível não atrair nenhuma atenção, com aquela cara de mergulhada. Anunciei o que acontecera para todo o prédio, e ninguém perguntou mais. Fiz aquela cara de alienígena, que faz com que ninguém mais me pergunte nada, mesmo, e sentei à mesa para escrever este texto. Pensando, ainda, o que as rajadas de vento têm contra a minha pessoa. Ou qual é a conexão que as rajadas de vento têm comigo. Por que o vento se move quando me movo? E onde as pessoas compram bons guarda-chuvas? Uma tempestade maluca de repente altera todas as prioridades do seu dia.

E o biscuit?

Ainda sobre o post anterior,  já me antecipo a qualquer questionamento nesse sentido, pois sei que a maioria dos acessos deste blog vem de buscas por assuntos relacionados a biscuit e escultura. Então não é possível viver de noivinhos topo de bolo? Não é possível largar meu emprego para viver de esculturas personalizadas?

Não é minha intenção destruir o sonho de ninguém, por isso é absolutamente necessário que eu escreva este post. É claro que é possível viver de novinhos topo de bolo, desde que você cobre um preço justo por eles. Não faça casais a R$150 que você rapidamente vai morrer de fome, amiga. Não vale a pena, a menos que você confeccione monstrinhos personalizados. Aí tanto faz, faz de qualquer jeito e bota para secar torto, você não vai ter muito trabalho e pode vender por qualquer coisa.

Mas não é assim que eu trabalho. Se não for para fazer algo que valha a pena colocar em cima do bolo e ficar exposto na estante da sala pelo tempo que durar, prefiro não fazer. Não quero que os noivos tenham vergonha do meu trabalho, pelo contrário, quero fazer uma homenagem perfeita. Se você tem essa visão, valorize seu trabalho. Não peço para enfiar a faca nos clientes, mas para levar em consideração o tempo que você leva para confeccionar a peça, o quanto você investiu para aprender as técnicas e desenvolver a sua, o tempo para dar atenção ao cliente, etc.

No meu caso, tive de suspender minhas atividades por outra razão. Quando comecei a trabalhar com o Biscuit estava bastante doente, vivia muito cansada e qualquer esforço maior, tinha crises terríveis, passava muito mal mesmo, por causa do cortisol alto. Tive de parar absolutamente todas as atividades. Quando fiquei bem, transferi o ateliê, que era para ser em uma casa no terreno do meu sogro, para um quarto vazio do meu apartamento. Eis que resgatei um gatinho e tive de fazer lar temporário no quarto que era para montar o ateliê. O gatinho está encalhadinho e – acredite se quiser – não consegui um espaço legal em casa para trabalhar com biscuit. Claro que se eu realmente quisesse me esforçar, encontraria. Mas optei por deixar o biscuit em segundo plano por algum tempo. Questão pessoal. É claro que eu poderia viver de noivinhos, mas preferi me aprimorar mais um pouco e desenvolver melhor algumas habilidades antes de voltar.

São motivos totalmente pessoais, as esculturas personalizadas entraram em uma vida em um momento complicado, eu estava com a saúde delicada e acabei não aproveitando aquele momento. Agora eu tracei um plano bem pensado para conseguir colocar em prática todos os meus desejos, e como estratégia, coloquei o biscuit em segundo plano, para que quando voltar, possa fazê-lo da maneira que planejo. Antes de mais nada, quero estar em condições de assistir ao curso da Flávia Pina em julho, no Rio de Janeiro. Não vou começar antes disso. Fiz o primeiro curso, que mudou meu trabalho de uma maneira extraordinária. Se você trabalha com esculturas personalizadas ou tem vontade de trabalhar, o curso da Flávia é indispensável. E ela não sabe se vai voltar a dar cursos depois desse, então pode ser que seja o último. Quem puder aproveitar, nem que precise fazer um sacrifício, parcelar o valor, se hospedar em um hotelzinho minúsculo, dividir hospedagem com alguém, vale a pena. Quem tem mais disposição do que eu para se dedicar em tempo integral vai colher os frutos rapidamente. O meu problema não foi o biscuit, meu problema na época era físico, e eu não me sinto em condições de retomar o trabalho antes de fazer um novo curso com ela.

Já escrevi a respeito, já disse o quanto o curso fez diferença, aprendi em uma semana (três dias de curso e quatro dias de prática) o que levaria anos para aprender. Não precisei de mais nenhuma apostila ou dvd depois daquilo. O curso dela é tão detalhado e completo e o trabalho é tão perfeito, ela ensina tão bem que não é necessário complementar com mais nada.  O meu maior problema foi ter tido hipercortisolemia que me trouxe uma perda de memória e bagunçou minha cabeça. Não posso me fiar só no que já aprendi, pois recuperei bastante coisa, mas ainda tem um ou outro lapso, que pode fazer diferença.

Quem quiser saber maiores informações a respeito do curso da Flávia, clique aqui.

Dou todo o meu apoio a quem queira e possa se dedicar ao Biscuit como única fonte de renda. É totalmente possível, mas tem de estar disposto a fazer um bom trabalho, diferenciado, perfeito mesmo. Não queira gastar pouco na preparação, comprando cursinhos e dvds baratos, pegando dicas na internet e depois conseguir um trabalho de qualidade para cobrar bem e viver disso. Não dá. Tem de ser profissional mesmo. Investir em capacitação, treinar bastante, não pegar mais encomendas do que consegue cumprir, atentar para os prazos e ser bem detalhista no trabalho. Praticar preços decentes.  Não acredito em um bom trabalho, feito sem estresse, sem desespero, com alegria, com bom resultado, sem atrasos, sem problemas para o cliente por menos de R$600 (isso para mim é o preço mínimo). Se alguém cobra menos do que isso (e estou falando de reproduzir o rosto dos noivos no biscuit, sem parecer um monstrinho. Estou falando de escultura de verdade, proporcional, bem feita, de no máximo 17 cm. Porque é claro que se eu fizer uma cabeça de 5 cm será muito mais fácil de detalhar do que uma de 2 cm)…bem, alguém está saindo prejudicado. Ou o cliente (com o resultado final do trabalho ou problemas durante o processo) ou o profissional. E ao cliente que quer pagar duzentos Reais por um trabalho do nível da Flávia Pina, eu gostaria de dar um pedaço de massa de porcelana fria e pedir a ele que esculpisse um rosto humano de 1,5cm baseando-se em cinco fotos.

Então é esse o meu recado. É possível largar meu trabalho e viver de biscuit? Sim, é, mas você precisa ter disciplina e decidir ser profissional no biscuit, não apenas uma artesã, mas uma escultora. Para isso vai ter de trabalhar, se dedicar, estudar, querer, mesmo. E por quê você começou a trabalhar como corretora de imóveis se dá para viver de biscuit? Eu parei com o Biscuit muito antes de começar o curso de TTI. Parei não porque o biscuit não dá retorno, mas porque eu não estava em condições de trabalhar, por problemas de saúde. Na hora de voltar, preferi sair um pouco e deixar o biscuit para depois.Mas meus planos de dominar o mundo incluem meu retorno às esculturas personalizadas. Por isso, aproveitem enquanto eu não volto. 🙂