Mês: abril 2011

Gavetas

Já que estou ressuscitando posts (férias no Lampertop abrem pretexto para Vanessa publicar “pedacinhos de mim”), ressuscito um que pulou de blog em blog…desde que recolhi as cositas da Josephine do Diário e realoquei no Save The Planctons...post de 2004…mas como estou em um momento de faxina (foi bom para ver que melhorei…minha bagunça agora está mais seletiva…consegui aprender a jogar fora algumas coisas obviamente inúteis…bem, depois de SETE ANOS era o mínimo a se aprender…)

Outra coisa: os posts de Josephine têm todo um contexto, que acabou se perdendo quando a anta aqui resolveu retirá-la do Diário acreditando que assim Edmund voltaria a escrever. Se eu soubesse que o Diário ficaria abandonado, teria permanecido por lá, ainda cantando: “tá dominado, tá tudo dominado…”

Terça-feira, Setembro 07, 2004

Gavetas

Andei fazendo uma limpeza nas gavetas de casa e me impressionei com a quantidade de quinquilharias que guardo. Não falo apenas dos cartuchos vazios da impressora ou das canetas bic e grampos de cabelo, porque isso todo mundo guarda, acho.

Mas encontrei embalagens blister de produtos do tipo lixas de unha, a caixa do mouse, dezenas de etiquetas recortadas das roupas (eu detesto etiquetas), lacinhos e florzinhas recortados das roupas de baixo (por que eles insistem em costurar aquelas coisinhas inúteis nas calcinhas e sutiãs?) e uma infinidade de papeizinhos e folhetos sem utilidade alguma.

Prometi a mim mesma nunca mais pegar um mísero folheto na rua, nem em consultórios médicos, lojas de celular, nada, nada, nada! Tinha um folheto explicativo, altamente elucidativo, sobre o tratamento da asma com um determinado medicamento. Ocorre que não tenho asma. Nem eu, nem Edmund, nem ninguém que more comigo. Por que raios peguei aquele folheto no consultório médico? Ou pior, por que eu o guardei por mais de seis meses na gaveta? Não me pergunte, não faço idéia.

Talvez seja reflexo de nossa vida enlouquecida, cada vez mais maluca e corrida, que nos impede de ter papeizinhos realmente úteis para guardar, como uma carta de amor, um bilhete apaixonado, um cartão de agradecimento, um pedido de desculpas escrito em um guardanapo…

Tudo reflete a carência afetiva da nossa sociedade. O folheto do consultório, na verdade, era uma carta de declaração de amor do medicamento a mim, prometendo me livrar de uma crise asmática, caso eu tivesse uma. Talvez meu subconsciente tenha visto assim “alguém se importa comigo”.

Cada folder, cada cartãozinho, cada jornal de ofertas de supermercado deixado na caixa de correio, representa o trabalho de diversas pessoas e eu simplesmente não me sinto à vontade para jogar todo esse trabalho, suor, investimento humano e financeiro no lixo. Mantenho na gaveta por algum tempo, até que fique obsoleto, mas antes de se tornar uma peça com valor histórico. Então jogo fora.

Peças com valor histórico não podem ser jogadas fora, portanto tenho que revirar todas as gavetas antes que seja tarde demais e eu tenha que guardar aquela notinha da compra de um refrigerante no supermercado, datada de cinco anos atrás.

É uma tarefa árdua. Mexer nas gavetas é como mexer em mim mesma, lá no fundo da alma, nas coisas que guardo, lembranças, sentimentos, momentos passados. De vez em quando devemos fazer isso. Jogar fora os papeizinhos e etiquetas acumulados, guardar só o estritamente necessário e deixar espaço para coisas novas.

Estou profunda hoje. É, talvez este texto nem caiba aqui, mas se eu não colocar este texto aqui hoje, possivelmente amanhã existirá uma multidão reunida na porta deste blog, protestando como a Marguerita (dona Pizza )…ops, Margarita 🙂 nos comentários do post anterior, ” Post Novo Já!!”

Pretensão de Josephine. Realmente gostaria de acreditar que alguém sente minha falta neste blog. Alguns leitores, porém, têm me escrito indignados com minha falta de amor próprio, por eu achar que só Edmund é importante. Mas é que este blog é dele e tem se falado mais em Josephine do que em Edmund. Entretanto, agradeço. Suas opiniões tem feito diferença para mim.

Ainda faltam duas gavetas. Preferi escrever antes já sabendo que ia ser um texto pseudo-profundo. Se esperasse mais uma gaveta, ficaria insuportável, filosofando sobre as gavetas da alma, sobre as etiquetas da vida e os cartões vencidos de nossa existência breve.

Edmund conseguiu convencer o Cabide a esperar mais uns seis meses antes de se mudar para o meu apartamento. Acho que isso quer dizer alguma coisa. Edmund diz que isso quer dizer que o Cabide vai pensar mais um pouco. Para quem não se lembra, o Cabide e o Criado-Mudo de Edmund não se dão nada bem. O Cabide é um lorde, educado, polido, e o Criado-Mudo é arrogante, mal-educado e irônico, sempre acabam discutindo. Há algum tempo tiveram uma discussão feia e o Cabide ameaçou mudar-se para a minha casa. Agora, mais calmo, concordou em pensar mais um pouco.

Devo salientar que ainda não consegui fazer com que falem comigo. Esses móveis só se comunicam com Edmund, ele diz que eles são tímidos na presença dos outros, mas aos poucos o Cabide está se sentindo mais à vontade perto de mim, é um avanço.
No começo o Criado-Mudo não ia com a minha cara, mas eu sei que no fundo, no fundo, ele é legal. Talvez lá bem no fundo de sua gaveta, talvez se eu vasculhasse as coisas que ele guarda, me surpreenderia positivamente. Quem sabe um dia ele se abra para mim?

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Comentários deste post:

“É eu as vezes acho cada coisa no mu guarda roupa! Nas gavetas ja achei coisas tão velhas quuanto eu! Hehehehhehe, é engraçado.”
Alencar 09.08.04 – 1:31 am

“Minha amiga sente dó quando passo pelas pessoas na rua e recuso seus panfletos. Vou fazer o que com papeizinhos de dentistas oferecendo extrações a 10,00, restaurações a 7,00, ou bidus como “Mãe Dinah fala sobre seu futuro, fazemos amarrações”, etc. Melhor jogar e não se prender a nada.
Parabéns pelo blog!”
CARLA 09.09.04 – 12:19 am

“Olá senhora Butterfly! Quanto tempo! Ainda com o grande Edmund? É bom ver vcs junots (mas vcs n tinham terminado?)… Mundo estranho.
M16 09.09.04 – 11:11 am

“eu kero o criado mudo, gostei dele, parece muito com meu armário, já o cabide, este se parece com a quina da cama que eu insisto em dar joelhadas e ela pede “desculpas”…. Tah tah, eu vou trabalhar, eu sei, tenho que dormir… aiai…. fuies”
Faboides 09.10.04 – 12:56 pm

“Ei, eu sou um drink, não uma pizza! 🙂
Obrigada pelo post, Josephine, agora posso sobreviver mais algumas semanas sem crise de abstinência lunática. Ah, e posso me sentir uma pessoa organizada, também… ”
MargariTa 😉 09.15.04 – 2:22 pm

“Sabe que já se passaram-se bem mais de uma semana?? Escreva por favor! ”
aryadne

PS: Os donos deste blog não se responsabilizam pelos comentários deixados pelos leitores, como os transcritos acima

Sem descanso

Ressuscitando mais um texto esquecido da extinta coluna Sala de Estar, na Revista Paradoxo…
Sem descanso

A vida secreta das palavras

por Vanessa Lampert
de Porto Alegre
[30/08/2007]

Somos torturadores de palavras. A palavrinha está lá, na dela, bem feliz e de repente alguém resolve colocá-la em um contexto estapafúrdio para que ela se torne ainda mais estapafúrdia que a própria palavra “estapafúrdio”. Temos o poder de transformar as palavras em qualquer coisa que quisermos, dependendo de como resolvemos usá-las e isso deve apavorar as coitadas.

Aliás, retiro o que disse. Nenhuma palavrinha pode estar na dela, feliz e saltitante, isso é impossível. As palavras vivem em constante estado de tensão, pois raramente são bem utilizadas. Sabem do poder do ser humano (aquele monstro) sobre elas e estão sempre de sobreaviso, apavoradas, não esperando menos do que o pior. Há quem diga que palavras são esperançosas. Não são. Elas se reinventam para renovar o disfarce, só isso. Mas vivem sempre assustadinhas, sem motivo aparente, antevendo o que nem existe.

Como a gatinha da minha mãe, a Lili. Nunca esteve na rua, nunca foi ameaçada, nunca foi maltratada, mas se esgueira pelos cantos, neurótica, esperando um ataque que nunca virá. Lili é uma palavrinha felina. A outra gatinha, Bianca, vive brincando e aproveitando a vida, descobrindo novas coisas dentro de casa há cinco anos. Se enrosca nos fios do computador e se diverte quando eu ou minha mãe chamamos sua atenção, sai correndo, se engalfinha em um ratinho de brinquedo no meio da sala e vive em um grande playground interessante, até cansar e dormir, em cima da cama, enquanto a Lili, na varanda, mia dramaticamente chamando a Bianca, que a ignora, sabendo que não é para tanto.

Lili vive em um constante stress. Palavras são estressadas. Minha mãe levantou a hipótese de ela ter desenvolvido um problema de visão e se assustar porque vê tudo distorcido. Campo Grande é uma cidade desprovida de oftalmologista veterinário, portanto, só saberemos o dia em que a Lili, rica e famosa, resolver viajar para uma consulta no Rio de Janeiro.

Talvez as palavras não enxerguem bem em seu estado normal, precisam ser guiadas, pois vêem borrões distorcidos (um borrão distorcido é um troço bem borrado mesmo). Devem ser tratadas com carinho e paciência e devidamente orientadas pelos caminhos mais seguros. Palavras são tão sensíveis, delicadas, frágeis e expostas quanto gatos. Infelizmente, é impossível castrá-las e não dar acesso à rua. Se telássemos as janelas e não deixássemos as palavras na rua precisaríamos delas na saída, dos gatos não precisamos lá fora. E as palavras, mesmo assustadas, precisam sair e encontrar outras palavras, os gatos só saem por curiosidade, vivem bem felizes dentro de casa.

E palavras nunca morrem. Um gato na rua pode ser atropelado, envenenado, torturado, maltratado, atacado, e nunca voltará. Uma palavra na rua pode ser atropelada, envenenada, torturada, maltratada, atacada e continuará, higlander, sua jornada milenar e sem descanso, esgueirando-se pelos becos ou sem esperança, sem alma, em bocas rasas, ou mesmo escondida, nas entrelinhas. Entrelinhas são submundos das palavras, sociedade paralela na qual palavrinhas sujas e esfarrapadas reúnem-se em redor de fogueiras, esquentando nojentas salsichas, cercadas de cinza e sombras. Não há luz solar nas entrelinhas, e vive-se reptilianamente, trogloditando pelos dias. Vida difícil.