Mês: novembro 2015

De uma vez por todas: fé não é religião

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Experimente repetir a palavra “Caneca” diversas vezes seguidas. Em determinado momento, ela lhe parecerá estranha, você mal entenderá o que significa. Da mesma forma, de tanto algumas palavras serem repetidas em um contexto religioso, elas acabam perdendo o sentido para quem as ouve. É como se caíssem no setor religioso do cérebro humano, uma vala na qual todo raciocínio desaparece. As palavras se tornam meras repetições desprovidas de sentido.

A palavra “fé” tem andado tão atrelada ao contexto religioso, que muitas pessoas não entendem do que falamos. Ouvem “fé” e já pensam que é sinônimo de “acreditar em Deus” ou mesmo de “religião”! A fé emotiva é aquela que não faz o menor sentido. A pessoa chora na igreja, diz que acredita em Deus, mas vive mais pelo que sente. Seu coração é seu deus. Para ela, o fato de ter uma religião significa que ela tem fé. Não poderia estar mais equivocada. Biblicamente, fé é “a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que não se veem” (Hebreus 11:1) Mas mesmo isso pode não fazer sentido algum quando repetido religiosamente.

Pense bem: o que é a certeza de coisas que se esperam? Você só espera aquilo que não tem, aquilo que não vê, não é verdade? Não pode esperar a chuva se já estiver chovendo. Não pode dizer que está esperando o táxi se já estiver dentro dele.

O natural diante de algo que se espera é a incerteza. Ter certeza de algo que se espera, é ir além do natural. Para conseguir ter certeza do que espera, essa certeza precisa estar fundamentada em algo muito sólido. Se alguém em quem você confia muito promete alguma coisa, você vai ter certeza de que aquilo irá acontecer. Essa certeza estará fundamentada na palavra daquela pessoa, na confiança que você tem de que ela não mente.

O que é a convicção de fatos que não se veem? Como você pode ter convicção de que passou no vestibular enquanto não vir seu nome na lista dos aprovados? Como pode estar convicto de que está curado enquanto não vir o resultado dos exames?

O natural diante de um fato que não se vê é a dúvida, a desconfiança. Ter convicção de um fato que não se vê, não é natural. Um fato é algo real. Porém, como pode ser real sem poder ser visto? Para que você creia que algo é um fato, ou você viu ou soube por alguém em quem confiava.

Então, no final das contas, tanto a certeza do que se espera quanto a convicção do fato que não se vê estão intimamente conectadas à confiança na palavra de alguém. Essa palavra precisa ter credibilidade para você, ou não será possível sustentar a sua certeza nos momentos em que, além de não ver o que espera, você vir o contrário do que espera.

Quando você espera que as coisas melhorem, mas só vê piorar, por exemplo. Se a palavra de quem prometeu que as coisas melhorariam não tiver credibilidade para você, certamente a dúvida vai se instalar. E a dúvida corrói a certeza, traz a ansiedade, o medo, o desespero…

A fé é essa certeza, fundamentada na confiança que você tem no fato de que Deus não mente. E na credibilidade que a Palavra dEle tem para você. Por isso, quando se deixa levar pela dúvida, pelo medo e pelo desespero, você não está usando a sua fé. Não está colocando em prática a melhor arma que você tem. Essa certeza é a conexão entre você e Deus. É essa certeza que faz com que Ele possa agir em sua vida.

Não adianta frequentar uma igreja, fazer orações, jejuns, promessas e outros rituais religiosos se não confia no que Deus prometeu. Não adianta acreditar na existência de Deus. Acreditar na existência de Deus não muda a vida de ninguém. Ainda que a pessoa diga que não acredita na existência de Deus, se der crédito à Palavra dEle, será ouvida e respondida. Há mais chance para um agnóstico ou um ateísta sincero do que para religiosos que não querem abrir mão da fé emotiva.

A única maneira de superar os limites, de se libertar do pensamento religioso e ter uma vida que faça sentido é apertar o botãozinho que liga o cérebro e aprender o que é, de fato, viver pela fé. Dê crédito DE VERDADE à palavra dAquele a Quem você diz seguir

Sobre o fim de Uri

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Ontem, em um dos capítulos mais intensos e fantásticos da novela Os Dez Mandamentos, Uri encontrou seu fim. As últimas cenas de Uri foram tão profundas e impressionantes que eu não poderia deixar de comentar. Depois de fazer o ridículo papel de homem-abajur durante a nona praga, Uri chegou ao anúncio da décima praga ainda se iludindo com a possibilidade de continuar no palácio. Mergulhado em dúvidas e medo, ele ainda se apegava ao que podia ver. Reconhecia o poder e a autoridade do Faraó, por causa do brilho das pedras, mas se recusava a crer no poder e autoridade de Deus.

Uri não representa apenas os materialistas, mas também aqueles que ficam com um pé na igreja e outro no mundo. Querem ser salvos, mas querem mais a honra dos homens. Não querem sacrificar. Não querem o deserto.

Eu disse no outro post que Uri era escravo. E, em suas últimas cenas, ele mostrou que eu estava certa. Escravo do medo, escravo da dúvida, escravo do que seus olhos podiam ver. Por um momento, ele cedeu. Até o último dia, se apoiava na esperança de que a praga não viesse tirá-lo do comodismo. Porém, a família veio avisá-lo de que a morte viria naquela noite. Ele, mesmo relutante, aceitou partir com eles para a vila.

No momento em que todos estavam felizes (tadinhos!), ele disse que, primeiro, iria ao palácio buscar suas coisas. A família insistiu para que ele deixasse tudo para trás e os seguisse. Porém, ele insistiu. Nesse momento, meu marido disse: “ih, ele vai morrer”. Porque era possível ver naquela insistência o medo de deixar tudo para trás. Estava claro que, se voltasse ao palácio, não teria coragem de sair.

Quando Deus chama, o certo é seguir imediatamente, sem olhar para trás. Caso contrário, acontece o que aconteceu em seguida. O rei soube e mandou chamá-lo. A conversa que se seguiu foi absurda. O rei fez a legítima proposta do diabo para Uri. Tentou convencê-lo de que a praga não viria, de que não adiantaria fugir e acenou com a proposta de aceitar sua família de volta no palácio, tudo o que Uri queria!

E não é exatamente isso o que acontece com a gente? Quando decidimos seguir o que é certo, primeiro toda a resistência se levanta. Se a pressão não funciona, o mal tenta acordos. Vai acenar justamente com o que você mais desejava. E foi esse o engano que enredou Uri. A partir do momento em que surgiu uma possibilidade a que ele pudesse se agarrar, Uri engatou uma sequência de erros. Delatou os hebreus, traiu a família, e, quando se deu conta da bobagem que fez, colocou remorso no lugar do arrependimento, se culpou e decidiu ficar no palácio!

No fundo, ele sabia que a praga viria, mas o medo e a dúvida o cegaram. O amor pela família não foi mais forte do que o medo de sacrificar a vida antiga. Em um último segundo de lucidez, ele pega suas coisas e ameaça sair, mas olha para trás e não tem coragem. Deu uma agonia imensa vê-lo voltar para a cama, decidindo ficar, sabendo que aquele seria o fim. Deu vontade de sacudi-lo.

Uri não precisava morrer. Ele era hebreu, ele tinha informação de como se salvar, ele até ajudou a salvar outra família — a de Chibale. Ele viu seus amigos egípcios sacrificarem tudo para ir com os hebreus. Ele sabia o que tinha de fazer, mas não teve coragem.

A história de Uri é uma excelente metáfora da história de muitos de nós. Um homem que tinha tudo para ser feliz, mas que cavou sua própria destruição por não saber valorizar o que realmente tinha valor. Estava apegado à sua velha vida, sem perceber que o prazo de validade já tinha vencido. E sem perceber o presente que tinha nas mãos: a chance de descobrir uma nova vida, ao lado da família e de pessoas que realmente gostavam dele pelo que ele era, não pela posição que tinha.

Infelizmente, hoje há mais Uris neste mundo — e nas igrejas — do que eu gostaria de admitir. Quem vive mergulhado em dúvidas não tem como ter um final feliz. Troca a salvação por um punhado de papel, por uma posição, por um relacionamento, por um vício, por uma zona de conforto quentinha, por uma ideologia, pela glória que vem dos homens. Aposta sua vida em um jogo insano no qual é impossível vencer. Preso ao que não tem o menor valor, Uri se permitiu cegar. Ele não enxergava sequer o que não podia ser negado.

Uri foi avisado que aquela seria sua última noite, mas não creu. Você não sabe quando será sua última noite. Pode ser esta. E será que não está fazendo exatamente o que ele fez? Em vez de seguir sem olhar para trás, será que não está se apegando ao que não tem o menor valor e negligenciando o mais importante? Será que o orgulho, o medo e a dúvida irão vencer a guerra pela sua alma, pelo seu futuro? Só se você quiser. Só se, conscientemente, se deitar para dormir no momento em que deveria se levantar e, com coragem, seguir adiante.

Fiquei dividida entre a raiva e a indignação pela burrice de Uri, o profundo pesar pelas escolhas erradas (é difícil ver alguém caminhando para o precipício) e uma identificação mais profunda ainda, porque, de certa forma, já fui Uri. Felizmente, no último momento, não olhei para trás. E sou muito grata por isso. Então, volto a sentir um pesar ainda mais intenso. Dessa vez, não pelo Uri, mas por tantas pessoas reais que têm agido como ele, com a mesma cegueira, com a mesma intransigência. O que podemos fazer é passar a informação e orar por elas, torcendo para que sejam mais inteligentes do que Uri foi.

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PS: E a cena da morte dele? Que cena foi aquela? Quase perdi o fôlego junto com aquele último suspiro. Nem sei explicar o quanto foi forte toda essa história.