Categoria: aprendendo a dirigir

Aprendendo a dirigir VII – A batalha final

Como os arquivos da minha extinta coluna na Revista Paradoxo desapareceram após remodelagem do site, aproveito o período de férias do Lampertop para agendar a publicação desta saga aqui…espero que ajude outras pessoas que estejam passando por situações parecidas…

Aprendendo a dirigir VII

A batalha final

por Vanessa Lampert
de Porto Alegre
[22/06/2007]

Hoje era um daqueles dias em que tudo estava programado para dar errado, e se eu acreditasse nisso, teria dado, mesmo. Não consegui dormir cedo, tive aula às sete da manhã e consegui apenas três horas de sono. Fiz aula no mesmo lugar do exame, Intercap, ontem e hoje, o que foi muito importante para que eu me familiarizasse mais com as ruazinhas apertadinhas, todas iguais. Confesso que não estava muito confiante, não havia a menor razão para acreditar que eu passaria, exceto o fato de eu saber dirigir direitinho. O problema é que o exame prático não avalia se você sabe dirigir, se é um motorista prudente, se tem condições de ir para o trânsito, a única coisa que o exame, do jeito que é feito, com examinadores despreparados e regrinhas burras avalia é seu estado emocional no momento da prova. Se você estiver nervoso, reprova, se estiver calmo, passa, não importa o quanto dirija.

Eu realmente não acreditava que, naquele estado de nervos, teria algum resultado positivo. Cheguei em casa e dormi até o almoço, ignorando a outra aula que me tomaria toda a manhã. Ao invés de descansar, acordei exausta, pois tive os pesadelos mais horrorosos envolvendo trânsito. Sonhei, inclusive, que dirigia um ônibus estranho, e estava sentada em um banco ao lado do banco do motorista. Nem conto os malabarismos que tive de fazer para alcançar o freio e a embreagem, quando percebi que era eu a única motorista da coisa. Sonhei que havia sido multada pela Polícia Militar durante o exame, de madrugada, na chuva. Sonhei com conversões à esquerda, com mudanças de marcha, com baliza, com conversões à direita, com todos os erros e acidentes possíveis e imagináveis.

Acordei com o coração disparado como se toda aquela confusão onírica fosse real, então resolvi respirar fundo, tentar me acalmar, conversei com Deus, pedi para Ele preparar tudo direitinho e fazer o que fosse melhor para mim. Comi uma pizza feita pelo meu marido, comemoramos três anos de casamento, eu queria muito a carteira de motorista como presente nesta data especial, o que aumentava ainda mais a ansiedade.

Quando cheguei à auto-escola, todo mundo já havia ido para o exame – é um sinal – pensei, e já estava remarcando meu teste para a semana seguinte quando um garoto entrou dizendo que o Fernando, outro instrutor, combinara voltar para buscá-lo. Resolvi ir junto, e enquanto esperávamos, conversei com o rapaz. Ele estava muito, muito nervoso, era seu quarto teste. Finalmente, nossa carona chegou, o Fernando ficou na auto-escola esperando uma aluna retardatária e outro instrutor, o Diego, nos levou. Ele me contou, no carro, que o examinador era…o Adriano!

Para quem não se lembra, o Adriano é o examinador que não me deixou fazer o exame por meu nome estar abreviado, história contada no texto “Aprendendo a dirigir V”. Ao chegar, constatei que ele estava certo, era a mesma criatura com quem eu me desentendera há três semanas. O Claudio disse que eu poderia escolher outro examinador, pois já conversara com ele a respeito. Duvidando que ele pudesse ser profissional na avaliação, eu realmente estava entre fazer o exame semana que vem ou arriscar outro examinador. Encontrei colegas repetentes de testes passados, e todos reprovaram novamente, um a um. O garoto que veio comigo, que estava extremamente nervoso, passou. Ele disse que quando colocou na cabeça que se não desse, não teria problema, faria dez vezes até conseguir, se tranqüilizou. Eis aí todo o segredo.

Ouvi algumas pessoas reclamando de instrutores, dizendo que trocariam de instrutor, que tantos alunos de fulano passaram, tantos de beltrano reprovaram, e tive de interferir. Uma das coisas que aprendi nos desastrosos exames anteriores é: você pode ter o melhor instrutor do mundo, se não conseguir controlar seu estado emocional na hora do teste, não adianta nada. O trabalho do instrutor é importante para que você aprenda a dirigir direitinho, com confiança, sem medo. Ao chegar no teste, você deve estar tecnicamente preparado, ou não estaria lá. O trabalho do instrutor já terminou, ele não tem responsabilidade alguma a partir dali. Quem tem de trabalhar, então, é você. Se passar, é mérito seu, se reprovar, também.

O único profissional que realmente pode atrapalhar um exame é o examinador, que tem o poder de te tranqüilizar ou de te deixar mais nervoso durante o teste. Por isso ele deve ser inteligente, ter discernimento, domínio próprio e deixar a arrogância em casa, se a possuir. Felizmente ainda existem alguns (poucos) assim, que sabem o que realmente devem avaliar, levando sempre em consideração o fato de a criatura estar naturalmente apavorada.

Fiquei por último. Felizmente, peguei um examinador simpático, jovem, que fez questão de que eu ficasse tranquila, não foi nada arrogante e pelo menos se esforçou em não me deixar mais nervosa do que eu já estava. Eu estava certa de que erraria coisas ridículas, porque estava ansiosa. Fiz a baliza direitinho, até porque eu sou a miss baliza, acho que ninguém nunca fez tanta baliza quanto eu, em toda a Via Láctea. Mas, como Murphy sabe, sempre havia a possibilidade de dar uma zebra, e eu estava preparada. Depois, a garagem, também certinho, o examinador entrou no carro e eu disse, aliviada: “bem, sobrevivemos à baliza”.

Fiz 90% da prova em primeira e segunda, colocando a terceira apenas uma vez. Indo mais devagar, dava para controlar o nervosismo e fazer o que eu sabia fazer. A maior dificuldade no Intercap é a falta de sinalização horizontal nas ruas (para quem fugiu das aulas teóricas, sinalização horizontal é aquela feita com tinta na via, para separar as pistas, para marcar travessia de pedestres, etc.), temos de adivinhar onde acaba uma pista e começa a outra, quais ruas são mão única e quais são de mão dupla (sim, muitas daquelas ruazinhas apertadinhas têm dois sentidos!), e, como diria o Padre Quevedo, faixa de pedestres ali é algo que “non ecziste”.

O examinador conversou comigo bem tranqüilo, sobre um cachorro que latira, sobre o fato de morar em Canoas, claramente para que eu relaxasse, e funcionou. Andamos bastante ali por dentro (ou não, porque tudo sempre parece interminável quando estamos nervosos), e eu realmente achei que havia reprovado por algum motivo desconhecido e que ele, para não me deixar nervosa, evitou comentar antes do término do exame. Tomei o cuidado de repetir em voz alta o lado para o qual ele me mandara virar, e dar o sinal assim que ele avisava. Felizmente dar sinal e parar em placa de Pare e em final de rua já é automático para mim. Não passei na frente de ninguém, não há tempo máximo para o percurso, não há necessidade de apressar nada.

Quando avistei a praça e ele me mandou estacionar, gelei. Parei o carro e ele disse, sorrindo: “como tu disseste, sobrevivemos”. “Espero que sim” – respondi. Descemos do carro e ele me perguntou se achei que tinha errado, fui sincera e disse que eu poderia ter feito melhor. Ele me parabenizou por ter passado no teste e ainda completou, para o Claudio “Ela dirige tri bem”. Para quem não está familiarizado, dizer que alguém faz algo “tri bem” aqui em Porto Alegre é um grande elogio. Fiquei feliz, agradeci ao Claudio, que disse que o mérito era todo meu. Não é, eu sei. De ter passado, pode ser, mas sem ele eu jamais teria chegado até aqui. Ele acreditou em mim mais até do que eu, e minha vitória não deixa de ser dele, também. Depois, não comemorei demais em solidariedade aos colegas que reprovaram. Eu sei o quanto é frustrante não conseguir passar no exame, e uma criatura saltitante ao lado não deve ajudar muito.

Chegando em casa, contei, com muito suspense, ao Davison, e ele ficou eufórico com a notícia, ele me apoiou muito, e eu também não teria conseguido sem ele. A melhor coisa do dia foi poder dar de presente de aniversário de casamento ao meu marido a notícia da minha aprovação, pela qual ele tanto torceu. Depois, contei para a minha mãe, que também esperava a novidade. Escolhi dividir a alegria com as três pessoas que mais me apoiaram, antes de vir aqui, dividir com vocês, que tanta força me deram, por e-mail, pelos comentários aqui na coluna, ou por meu blog pessoal. Foram três tentativas, e até as frustrantes reprovações serviram para que eu aprendesse um bocado. Vale a pena enfrentar os medos, valeu a pena ter feito aulas antes dos exames, valeu a pena até o super pesadelo que tive. Ainda que pareça que nada vai dar certo, alguma hora as coisas começam a entrar nos eixos, e descobrimos que tudo muito é mais simples do que parece quando paramos de nos boicotar.

Aprendendo a dirigir VI – O examinador vive

Como os arquivos da minha extinta coluna na Revista Paradoxo desapareceram após remodelagem do site, aproveito o período de férias do Lampertop para agendar a publicação desta saga aqui…espero que ajude outras pessoas que estejam passando por situações parecidas…
Aprendendo a dirigir VI

O examinador vive

por Vanessa Lampert
de Porto Alegre
[09/06/2007]

Reprovar pela segunda vez no exame de direção é uma prova a mais, após o teste de direção, testa-se a auto-estima, o autocontrole, a paciência. Pensemos pelo lado positivo, pelo menos eu não morri na baliza. A baliza foi até bastante agradável, por sinal, tudo direitinho, no tempo, com luz do sol e clima fresco. Logo antes do exame, que começou ligeiramente atrasado, um examinador fez a mesma palestra do da semana passada, porém, ao contrário do outro, não pareceu simpático ou amigo, mas impaciente. Perguntou, por obrigação, se alguém tinha alguma dúvida. Infelizmente, algumas pessoas tinham. Na hora de responder, visivelmente contrariado, ele incluía um irritado “é fácil, é super fácil” entre as frases. Pelo menos descobri que a tal fundação que aplica dos exames do Detran, substituindo a Fundatec é a Fundae.

Enfim, como dizem os gaúchos, eu “rodei”. Claro que a reação natural é buscar culpados e eu poderia apontar dedos para o examinador, para o fato de ele ter ensaiado encrencar com o nome novamente, no início, para meu nervosismo desde a hora em que ele reclamou do sobrenome abreviado, crescente durante o trajeto, pois conforme eu errava, ele se impacientava.

Porém, minha tendência ao perfeccionismo suicida faz com que eu tente apontar todos os dedos para mim, porque não consegui manter a calma e tive uma seqüência de emburrecimento, algo bem semelhante ao que acontecia durante minhas aulas na outra auto-escola e que relatei na crônica Aprendendo a dirigir, de novembro de 2005.

Tive raiva de mim, vontade de desistir para me punir, como a mãe que tira a televisão do filho desobediente. Não errei por não saber, errei por nervosismo e isso é imperdoável para alguém que preza tanto o domínio próprio. No entanto, após raciocinar, me dei conta de que a culpa não é apenas de um indivíduo, mas de uma série de fatores, todos já citados acima, com seus graus de importância. A conseqüência de uma ação depende da própria ação e de nossa reação a ela. São dois fatores causais.

Enxerguei diante de mim duas opções: ou me desespero e bato a cabeça em um tronco de árvore ou me conformo com o resultado, imaginando que tudo tem uma razão de ser. “Em tudo dai graças”, ensina o apóstolo Paulo em ITessalonicenses 5:18 É difícil dar graças em uma circunstância que nos traz tanta frustração, mas acredito que aí esteja a maior lição a se tirar de uma situação dessas. Saber que não temos o controle, que nem tudo está em nossas mãos e que devemos aproveitar as adversidades para nosso crescimento.

Fiz uma lista mental de tudo o que me atrapalhou durante o percurso, para trabalhar nisso até o próximo exame, no dia 21. Tenho de aprender a não ficar tão esquentada caso alguém encrenque com uma coisa burra como “não é permitido abreviar o sobrenome”. É óbvio, racionalmente, que essa proibição se aplica apenas aos nomes que, por extenso, cabem no campo destinado a esse fim no sistema do Detran, logo, que apenas os portadores desses nomes sejam incomodados. Quem tem dois nomes e quatro sobrenomes longos não tem outra alternativa, portanto, deve ser deixado em paz para evitar stress e nervosismo desnecessários.

Porém, conforme o examinador Adriano deixou bem claro na semana passada, funcionários são proibidos de pensar, então, como bons robozinhos, jamais entenderão um raciocínio de tamanha complexidade. Tenho de aprender a ter paciência e não me abalar com esse tipo de coisa, também devo exercitar a calma e me livrar do trauma do antigo instrutor estressado e, mesmo se pegar um examinador da mesma espécie, manter minha tranqüilidade e dirigir como sei dirigir, não como um polvo descoordenado. E, caso ele enfie o pé no freio quando achar que eu não conseguiria fazer a conversão na frente de um monza caindo aos pedaços que vem na via onde quero entrar, não preciso tomar um susto tão horrendo a ponto de achar que o coração saiu pelo ouvido esquerdo e se enfiou em uma boca-de-lobo para se esconder. Depois disso, com as pernas tremendo, fiz todos os erros que poderia fazer e também os que não poderia. Foi bom, pensemos pelo lado positivo, esgotei minha cota de erros e não os tenho mais para gastar no dia 21, só me resta acertar e passar no exame.

O Claudio ficou tão ou mais chateado do que eu, porque acreditava muito na minha capacidade, até porque ele me dá aula há bastante tempo e sabe que eu já aprendi, já perdi o medo de pedestres, de caminhões, de ônibus, ciclistas, cachorros e passarinhos na pista. Algumas pessoas vão para o segundo, o terceiro, o quarto exame sem marcar nenhuma aula extra, eu preferi marcar. Não que eu tenha dinheiro para isso, mas prefiro pagar muitas aulas e treinar bem do que apenas pagar taxas de teste, que não me trarão experiência maior do que reprovar.

Reprovei, mas pelo menos tenho a oportunidade de aprimorar o que já sei fazer e consertar os bugs que ainda existem. Marquei mais algumas aulas, umas duas à noite, para aprender a dirigir no escuro, outras durante o dia. O Claudio comentou que teremos de treinar ele colocar o pé no freio no meio de uma manobra. Não sei se foi brincadeira ou a sério, mas achei a idéia interessante, acho que vou seguir a sugestão do Davison, meu marido, e pedir ao Claudio algumas aulas terroristas, para que eu consiga alguma malandragem e jogo de cintura para lidar com qualquer tipo de examinador, sem dar uma de florzinha histérica, que isso não combina comigo.

Infelizmente (ou felizmente, depende do ponto de vista), caros leitores, vocês terão de agüentar ainda mais duas semanas dessa epopéia. Depois, assim espero, estarei habilitada não apenas para dirigir, mas também para escrever sobre outros assuntos.

PS: Esse texto foi escrito em 2007…amanhã o capítulo VII será publicado.