Categoria: aprendendo a dirigir

Aprendendo a dirigir III – persistir é o lema

Agendei a publicação desta série, que foi originalmente publicada em minha extinta coluna da Revista Paradoxo em 2007, quando descobri que a interface da revista foi totalmente modificada e os arquivos de minha coluna se perderam. Como muitas pessoas me disseram que essa série foi de extrema importância para elas, decidi trazer todos os capítulos para cá, e postar um por dia. Enjoy.
Aprendendo a dirigir III

Persistir é o lema

por Vanessa Lampert
de Porto Alegre
[02/05/2007]

Não marquei aulas para o feriado e hoje alguns coleguinhas fizeram a tão temida prova prática do Detran. Espero que amanhã eu ainda me lembre de como se coloca um carro em movimento. Tenho esse problema de esquecer as coisas, é como se o espaço de armazenamento de coisas realmente úteis fosse ínfimo em meu cérebro. Grande mesmo é o compartimento para entulhamento de bobagens, lá até estão alguns fatos que me lembro em seqüência cronológica (com datas, inclusive), cuja precisão costuma irritar muita gente. Porém, só Deus sabe o porquê, a seqüência de simples movimentos mecânicos demora séculos para se grudar em meu córtex.

Aprendi, há bem pouco tempo, a lidar com essas limitações, meu lobo frontal não vai com a minha cara e terei de conviver com isso. Incrível como precisamos encarar nossas dificuldades, aceitá-las e tentar descobrir o que fazer com essas informações, para que algo enfim dê certo. Jamais imaginei que seria capaz de dar a partida no carro com tanta facilidade.

Sim, riam de mim, há pouquíssimas semanas eu era totalmente incapaz de fazer uma troca de marcha e olhar no retrovisor ao mesmo tempo. Com a inestimável ajuda do Claudio, o instrutor legal, parei de ter chiliques ao me aproximar de veículos monstruosos como ônibus e caminhões, também não fico totalmente paralisada quando um pedestre (ou um cachorro) se joga na minha frente.

Os pedestres de Porto Alegre são suicidas. Sério. Eles andam no meio da rua, têm sérias alergias à calçada e faixa de segurança. No local em que faço baliza, além dos pedestres suicidas, também existem cachorros psicóticos. São pobres caninos abandonados que perderam o juízo (se é que algum dia o tiveram), andam em bando e perseguem os carros. Sim, perseguem os carros. Eles correm atrás dos carros das auto-escolas, latindo e ameaçando morder os pneus. Sinceramente, eu nunca os vi correndo atrás de outros carros, eles sabem ler. São, neste ponto (e em vários outros, imagino), muito mais evoluídos do que alguns motoristas que temos a infelicidade de encontrar no trânsito.

Lá estou eu, pseudo-apavorada, tentando aprender a dirigir, segura por estar em um carro bem sinalizado sobre a ausência de habilitação. Ando mais devagar do que os carros normais, faço as curvas e as conversões bem mais lentamente do que o resto da humanidade, troco as marchas com menos habilidade do que quem dirige há duzentos anos e, eventualmente, posso apagar o carro no sinal. E as criaturas não têm a menor paciência, buzinam histericamente, xingam, fazem careta e batem as mãos no volante.

Eles não sabem ler, eu não sei dirigir, estamos quites. Se está com pressa, não pare atrás de um carro de auto-escola. Se parar, favor respeite, respire milhões de vezes e não fique assim muito perto, pode ser perigoso. Total incapacidade de se colocar no lugar dos outros. Será que eles nasceram sabendo dirigir? Ou acordaram um dia, aos cinco anos de idade, e tiveram uma revelação:

– Mamãe, mamãe, se eu pisar fundo na embreagem, engatar a primeira marcha, soltar até a metade, acelerando, eu coloco o carro em movimento!

Ou, quem sabe, sejam mutantes grudados aos carros. Eles e os carros sempre foram uma coisa só, mas uma coisa tão amalgamada que lhes parece absurdo que alguém, veja só, ainda esteja tentando coordenar seu mísero par de pernas e seus dois braços aos comandos do automóvel.

Sua capacidade motora se desenvolveu tanto que não sobrou espaço para o cérebro. Não percebem que buzinar para um carro de auto-escola, no qual se encontra uma pessoinha que ainda está aprendendo a dirigir, faz com que ela fique ainda mais nervosa e demore o dobro ou o triplo do tempo para sair do lugar. Eu ainda apago o carro quando um infeliz começa a buzinar enlouquecidamente atrás de mim no semáforo. São os únicos momentos em que ainda meto os pés pelas mãos (quase literalmente) e confundo tudo o que tinha de fazer.

No entanto, já consegui vencer tanta coisa e estou tão feliz por dirigir feito gente (ou quase), que nenhum motorista abilolado vai fazer com que eu desista. Se tudo der certo, na próxima quarta farei meu exame. Se der errado, continuo com as aulas, torturando os motoristas analfabetos apertadores compulsivos de buzinas. Sem sofrimento.


PS: Texto originalmente publicado em 2007. Aguarde continuação amanhã.

Aprendendo a dirigir II – o retorno à auto-escola

Série originalmente postada em minha extinta coluna Sala de Estar, da Revista Paradoxo.

Aprendendo a dirigir II

O retorno à auto-escola

por Vanessa Lampert
de Porto Alegre
[25/04/2007]


Quem acompanha esta coluna há algum tempo deve se lembrar desta crônica, em que eu relatava minha experiência corrente e desastrosa nas aulas práticas de direção. Pois bem, retorno hoje, um ano e cinco meses depois, para dar continuidade à história. Como se percebe naquele relato, eu estava indo mal, mas com uma incrível vontade de aprender e superar o medo.

Infelizmente, o segundo instrutor não era tão paciente quanto eu imaginava, e logo mostrou que sua falta de simpatia escondia uma grande facilidade de se estressar. Eu errava, ele se estressava, eu ficava nervosa e errava de novo. No meio do trânsito, ele me dizia: “Você viu o que fez?” Sem tirar os óculos e sem olhar para mim, não me dizia o que raios eu havia feito de errado e eu continuava sem saber. Me sentia a criatura mais burra e inútil da face da Terra e o cara mal falava comigo.



Perto da vigésima aula, ele sugeriu que eu suspendesse tudo e procurasse a psicóloga da auto-escola. Aceitei e fui conversar com a mulher. Ela perguntou da minha vida, eu contei toda a saga Vanesseana, para, ao final, ela me perguntar se eu não achava que estava me dedicando demais aos outros e esquecendo de mim, não gostou da atenção que dispenso ao meu marido, nem da minha mania de falar de planos para o futuro como se o casamento fosse para sempre. Saí de lá tentando entender o que isso tinha a ver com o fato de eu não conseguir aprender a dirigir. Não voltei mais.



No mês seguinte, meu marido foi internado com peritonite e passamos trinta dias no hospital. Quase no final desse período, tivemos a visita de um amigo dele, que me convenceu de que o problema era o instrutor, não eu, e passou o telefone de uma auto-escola que tinha um instrutor especializado em pessoas com medo de dirigir. Acabei não telefonando.

O tempo passou, e no início do ano minha cunhada me contou que estava tendo aulas de direção, apesar de já ter carteira de motorista, para ter mais segurança e perder o medo de dirigir. Conversamos bastante a respeito e no final das contas soube que ela já conseguia levar meu sobrinho à escola, guardar o carro na garagem e não matar ninguém no caminho. Me animei e resolvi voltar às aulas práticas, tentei ligar para o tal instrutor, mas ele agora só trabalha com quem já tenha carteira.

Procurei na lista telefônica e escolhi a auto-escola que dizia “especializada em pessoas nervosas” (CFC Dornelles). Para a minha surpresa, não precisei pagar tudo de novo, pude aproveitar minhas aulas teóricas, o que já foi grande coisa. Tive que repetir o exame médico e o psicotécnico, a prova teórica e prática. A prova teórica está muito mais fácil do que antes, e acertei 28 das 30 questões. Preferi, por razões óbvias, marcar algumas aulas práticas antes, perguntei qual era o instrutor mais acostumado com alunas histéricas e me indicaram o Claudio, fui orientada a marcar apenas uma aula, se gostasse dele, marcaria mais, se não, tentaria outro.

Aí vai a dica: não façam isso. Uma aula não dá tempo para nada, melhor marcar duas de 50 minutos, seguidas (a chamada “aula dupla”), menos estressante e mais fácil de notar se o cara é legal ou não. Apesar da correria, gostei muito do instrutor, é um cara muito inteligente, tranqüilo, simples e brincalhão, me deixou super à vontade, nem perto dos estressados da outra auto-escola. Voltei à recepção e marquei mais vinte aulas, ou melhor, dez aulas duplas, antes que alguém passasse à minha frente.

Como o cara é super tranqüilo, não se estressa, não me deixa histérica, conversa, brinca e gosta do que faz, estou conseguindo aprender e me livrar do pavor. Descobri que não tinha nem tenho medo de dirigir, na verdade, desenvolvi uma insegurança absurda por conta de um profissional mal preparado.

Lendo os comentários deixados pelos leitores, percebi que o maior problema é justamente o despreparo dos instrutores, que acham que tudo ali tem de ser tão óbvio para nós quanto é para eles, e não têm paciência para lidar com quem nunca trocou uma marcha na vida. O Claudio é um cara que gosta do que faz, tem um dom para ensinar (é um ótimo treinador), sabe se colocar no lugar do outro, respeitar a falta de experiência do aluno. Qual é a dificuldade disso? Por que é tão difícil encontrar um instrutor assim? Se o cara não tem paciência para lidar com quem está aprendendo, por que não trabalha em outra coisa?

Marquei mais oito aulas e farei a prova prática no dia 9 de maio. Coloquei na cabeça que não pensarei na prova, se não estiver segura, vou fazendo aulas até estar bem para fazer o teste. Ah, e semana passada tive um estalo: eu também sou um carro! No meio do trânsito, a gente tem a impressão de ser uma pessoa no meio de milhões de carros. Aquele trambolhão é só um troço que atrapalha. Só agora caiu na ficha que eu sou tão carro para eles quanto eles são para mim, então fiquei mais segura. Teremos mais uma quarta-feira e a prova do Detran é na outra quarta, portanto, o assunto continua. Torçam por mim.

PS: Texto originalmente postado em 2007 …aguarde continuação amanhã.

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