Categoria: construção e decoração da beleza interior

Você não pode relaxar

91.93.14

*Fotos: a pequena Vanessa, aos 11 e aos 13 anos.E em 2014.

Eu tinha um sério problema em minha arcada dentária. Todos os meus dentes eram separados e projetados para frente, tanto os de cima quanto os de baixo. Não era nada impossível de se resolver, não tinha dentes tortos, não precisei extrair dente nenhum. Mas, esteticamente, incomodava às outras pessoas.

Eu continuava a sorrir e a me movimentar feito um polvo (terrível fase da vida em que não sabemos onde estão nossos braços e pernas). Apesar de me achar feia, eu era um tanto quanto incapaz de ficar complexada a ponto de me fechar. Pelo menos até os 13 anos, foi assim que eu vivi.

Usei aparelho uma vez, mas, após tirá-los (aos 17), os dentes voltaram a separar. Coloquei aparelho mais duas vezes, foi um total de 7 anos, fora outros 3 com o aparelho móvel (uso contenção fixa internamente, na arcada superior e inferior, forever). O problema era que minha língua empurrava os dentes, pois eu falava errado, engolia errado…a língua era flácida, mas suficientemente forte para movimentar minha arcada dentária. A solução era fazer sessões de fonoaudiologia até resolver o problema.

Pois bem, fiz as sessões. Não tantas quanto deveria, mas o suficiente para resolver o problema. Ao menos, aparentemente. Tinha adesivos colados em meus cadernos me lembrando de fechar a boca, de colocar a língua para dentro da boca… eu vivia me policiando para que nada saísse do novo script. Eu já sabia todos os exercícios, então, poderia repeti-los em casa. A teoria, pelo menos, era ótima. E assim foi, durante algum tempo. E todo mundo sempre ficava espantado quando eu contava que antes falava igual ao Lula e que, com a fono, consegui corrigir isso. Devo ter repetido essa história por uns dez anos. Até que percebi que as pessoas ficavam com uma expressão esquisita quando eu dizia isso. Davam um sorriso amarelo e o espanto não parecia mais tão sincero.

Demorou bastante tempo até que eu fizesse um vídeo com o celular recém-comprado e percebesse o motivo: eu estava novamente falando com a língua entre os dentes! Foi um choque. Eu não fazia ideia de que aquilo pudesse acontecer. Todo o trabalho com a fono parecia ter sido jogado no lixo. Agora, minha arcada dentária estava em risco e eu teria de fazer alguma coisa (na verdade, eu já estava sentindo a pressão sobre os dentes e creio que se não fosse a contenção fixa, eles teriam separado novamente).

Não sei por que fiquei tão chocada, sinceramente. Era óbvio que isso aconteceria. O resultado não se manteria sozinho. Eu deixei de vigiar, deixei de ficar atenta ao que a minha língua estava fazendo na minha boca, deixei de fazer os exercícios para fortalecê-la…assim, aos poucos, sem que eu percebesse, tudo foi voltando a como era antes.

Da mesma maneira, qualquer mudança que quisermos que seja definitiva deve ser acompanhada, para sempre, de uma boa dose de vigilância. Inclusive -e principalmente – as mudanças em nosso comportamento. Não pense que, só porque mudou, agora pode relaxar. Não pode. Para manter sua mudança, é necessário permanecer atento. Seja um problema que você não quer mais que atrapalhe seu casamento, seja um vício de que você demorou para se livrar, sejam aqueles quilos a mais que tanto o incomodavam, seja um problema de saúde que piorava com alimentação errada. Você não pode relaxar!

Não é que você deva viver se policiando porque já teve esses problemas. A verdade é que todo mundo deveria se policiar nisso, você só tomou consciência disso por causa dos problemas que teve. Você é privilegiado. Tem a oportunidade de manter-se longe daquilo que tanto o incomodou por tanto tempo. Melhor do que não ter consciência nunca e, um dia, ser pego de surpresa por alguma dessas coisas.

Vigilância constante. Exercícios frequentes. Se eu mantiver essa rotina, certamente voltarei, em pouco tempo, a domesticar a minha língua, falando corretamente. Como pretendo gravar vídeos e podcasts, não tenho muita escolha. Se você realmente quiser fazer mais e se desenvolver, terá de se esforçar para melhorar. E manter a vigilância sobre os resultados. A história conta que Jesus estava passando um perrengue (não com essas palavras, claro). Era o dia mais complicado da vida dEle até então. Estava prestes a ser preso, torturado e morto. Resolveu ir até o Getsêmani orar. Era um lugar aberto, então disse a Pedro, Tiago e João: “A minha alma está profundamente triste até à morte. Ficai aqui e vigiai comigo.” (Mateus 26.38) Quando voltou, os três estavam dormindo! Peraí, né? Ele já havia avisado que estava para morrer, acabou de dizer que estava triste e as criaturas dormem? Ele mesmo se indignou, dizendo algo (em tradução Vanessística): “Barbaridade! Nem uma hora vocês podem vigiar comigo?” E, avisou:  “vigiai e orai, para não cairdes em tentação” (Mateus 26.41). Sem esse exercício de vigiar e orar, nossa fé fica flácida e tudo começa a dar errado. Quando você menos perceber, já caiu e está voltando a fazer tudo o que já tinha deixado de fazer.

Não sei quanto tempo fiquei falando com a língua entre os dentes sem me dar conta. Quando você deixa de vigiar, sua capacidade de percepção diminui, pois sua atenção não está mais focada naquilo. Assim, as ervas daninhas começam a crescer sem que você veja. Analise agora tudo o que você já mudou em seu comportamento e seu caráter. E veja se, realmente, as coisas ainda estão no lugar em que deveriam estar ou se algo retrocedeu sem aviso. Ainda dá tempo de corrigir e voltar ao que você deveria ser.

 

PS: Para você entender exatamente como deve manter sua atenção nas coisas, talvez valha a pena ler o post “Atenção”.

PS2: Já usei essa foto maior em outro post sobre ter sido alvo de bullying. O post é Embalagem e Conteúdo (clique para ler).

Embalagem e conteúdo.

1993

Estávamos no ônibus, indo para o passeio de final de ano da escola, em um clube chamado Colônia de Férias, em Campo Grande. Ela me chamou, eu olhei para trás, com minha carinha feliz de sempre, e fui surpreendida com o flash. Fiquei até mais bonitinha na foto do que era ao vivo, o ângulo me favoreceu, acredite. A menina que tirou essa foto se dizia minha amiga e eu soube que enquanto eu me recuperava da insolação que peguei aquele dia (com direito a queimaduras de segundo grau no corpo todo e rugas na testa aos 13 anos. Obrigada, sol), ela se divertia mostrando a foto para o menino mais bonito da sala, dizendo “Olha aqui a sua namorada”, enquanto todos riam (menos ele , é claro).

A vida não era fácil naquele tempo. Não eram apenas as pessoas da sala que faziam o que hoje chamamos de Bullying, era a escola inteira. Virou uma espécie de moda fingir que levava um susto – ou fazer o sinal da cruz – ao passar por mim no recreio.  Isso foi dos 11 aos 15 anos. Me mudei da primeira escola por causa disso, dos apelidos, das risadas, dos garotos me chamando de feia, das agressões verbais. Para o meu espanto, na escola nova tudo se repetiu. Era o mesmo espírito maldoso naquelas crianças…achei que tinha alguém da escola velha em minha nova sala, mas não tinha. O problema era a minha aparência e eu não havia me dado conta. Comecei a me comparar com aquelas meninas. Elas realmente eram muito mais bonitas do que eu. Eu era exageradamente magra, a pele muito branca, a boca muito grande por causa dos dentes projetados e separados, meu nariz era esquisito também por causa da arcada dentária, a língua, flácida, não cabia dentro da boca e minha dicção era horrenda por conta disso.

O problema é que eu não conseguia agir como uma pessoa complexada. A timidez só veio depois, por causa de uma igreja doida pela qual passei no ano seguinte (o pessoal sabia destruir a auto-estima das adolescentes por lá) e foi embora por causa do que encontrei na igreja em que estou hoje. Na época do Bullying, no entanto, eu não conseguia ficar sem rir, ou esconder os dentes enquanto ria, mesmo sabendo que eles eram horríveis e que meu sorriso deformava ainda mais o meu rosto. Também não conseguia falar sem gesticular e era totalmente desengonçada, não sabia onde colocar pernas e braços (se bem que acho que até hoje não sei…rs…), o que piorava ainda mais as coisas.

Um dia cheguei em casa chorando porque não aguentava mais os apelidos e o desprezo dos colegas que me tratavam como uma sub-espécie. Minha mãe sempre me dizia que ela era o patinho feio na infância e que depois ficou bonita e os rapazes se apaixonavam por ela. O que ela me disse naquele dia fez toda a diferença:

– Vanessa, criar corpo cedo demais não é bom, quando você tiver dezoito anos vai estar linda e essas meninas que riem de você provavelmente não estarão mais. Não se preocupe com aparência agora, se preocupe em desenvolver sua inteligência, quem você é por dentro. Isso ninguém nunca vai tirar de você e é o que realmente importa.

Eu não sei por que, mas acreditei nisso com todas as minhas forças. Alguns anos depois, coloquei aparelho, fiz fono e consegui arrumar os dentes e a língua, apesar de ter de refazer o tratamento aos 21 anos, até consertar de vez. Consegui um corpinho decente aos 17, quando as modelos magérrimas entraram na moda e eu também. Mas sempre foi estranho ser tratada como “bonita” (as pessoas são delicadíssimas com meninas consideradas bonitas e super grossas com aquelas que são vistas como feias ou esquisitas, eu me irritava muito com isso e estive sempre do lado dos fracos e oprimidos…rs…), nunca gostei de garotos que se aproximavam de mim por minha aparência porque eu, mais do que ninguém, sempre soube do quão vazio era esse critério.

Demorou para que eu aceitasse minha nova aparência e conseguisse me enxergar no espelho e ver que aquela era eu. Por algum motivo, o tratamento ortodôntico consertou também o formato do meu rosto e o meu nariz. Outra coisa que minha mãe me ensinou e que contribuiu para que eu não tivesse minha autoestima destroçada foi: “Vanessa, a gente não é feita de pedacinhos. Não importa se você não gosta do seu nariz, a beleza é um conjunto. Não se olhe com uma lupa, o importante é o conjunto”.  Lembro de ouvir isso várias vezes, algumas enquanto eu me debulhava em lágrimas por causa do meu nariz ou da minha boca.

Hoje me vejo como um simpático conjunto animado. O que as pessoas acham bonito em mim – elas não sabem – é algo que não dá para ver. E se alguém resolve me atacar apontando algum defeito em minha aparência, sou a primeira a rir e a apontar mais uns cinco. Conheço todos os meus defeitos, por fora e por dentro. Me incomodo muito mais com os de dentro do que com os de fora. Gosto de estar bonitinha, arrumadinha, mas tenho total consciência de que o que você tem por fora é casca. É embalagem. Não te define, não te diminui.

Existem centenas de qualidades interiores que podem te fazer bonita ou feia, independente dos traços do seu rosto ou das medidas do seu corpo. Não entendo quem se acha no direito de ridicularizar outro ser humano por sua aparência, assim como não entendo exaltar alguém pelo formato de seu corpo ou pelo seu rosto estar dentro dos padrões. Não espere ser aceito pelos outros, valorize aquilo que você tem de melhor, aquilo que você tem por dentro e que ninguém – nem mesmo o tempo – poderá tomar de você. No final das contas, é o que realmente importa.

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