Categoria: Diário

Multifocal

Cansada de me sentir inútil em minhas horas (ou  dias, ou minutos) de folga, de achar que os dias estavam passando por mim sem muita interferência minha no universo, decidi que farei ao menos uma coisa realmente útil em cada dia. Não precisa ser nada heroico ou de grande impacto, mas que seja algo útil para mim ou para os outros. Lavar a louça, costurar um botão, resolver um problema, ajudar uma pessoa, escrever um texto, terminar um livro, ganhar dinheiro, colocar o lixo na rua, limpar as caixas de areia, tudo isso conta.

O próximo passo é atribuir valores a cada uma das tarefas e estabelecer um número mínimo de pontos a ser alcançados a cada dia. Seria quase como uma “dieta dos pontos” de afazeres diários, em busca de uma maior produtividade. Pretendo escrever mais detalhadamente sobre esse meu método assim que terminar de formatá-lo.

Minha vida tem estado meio estranha, ultimamente, e o mais estranho de tudo é justamente o fato de eu não ter escrito sobre nada disso. Ando meio sem paciência para grandes debates inúteis, e por isso mesmo valorizando as coisas mais simples. Meu blog está em plena crise existencial, desde as eleições, quando todos tivemos uma overdose de internet, eu acabei diminuindo a frequência de postagens, Davison publicou uma ou outra coisa e agora planeja seu novo blog, e penso se alguém se incomoda com o fato do meu blog não ter um foco único (e eu não ter voltado em um determinado assunto não significa que eu tenha mudado de ideia e não queira mais falar sobre isso…pelo contrário!).

Mas uma de minhas maiores características é justamente ser multifocal, interessada em tantas coisas…sou várias. Graciliano Ramos, em uma de suas cartas a Heloísa, escreveu: “És uma extraordinária quantidade de mulheres. Quando me vieste pedir não sei quê para o natal, eras uma. Depois, em um só dia, ficaste duas, muito diferentes da primeira. Desejei ver qualquer das três e levei à casa do padre um bacharel que vendia livros. Apareceu-me outra. Daí por diante o número cresceu, cresceu assustadoramente. Na sexta-feira, antevéspera de tua partida, encontrei pelo menos vinte. No sábado, em nossa casa, havia uma na sala, outra na sala de jantar, dez ou doze ao pé da janela. És multidão.”

Não sei se todas as mulheres são assim, não sei se todas as pessoas são assim, mas quem tenta me classificar acaba achando que sou multidão depois de pouco tempo de convivência. O que pode te parecer falta de foco é, na verdade, excesso de foco…excesso de interesses, excesso de curiosidade, de espírito investigativo. Mas não desperdiço meu tempo, nem minha curiosidade, não tenho interesse em me tornar um poço de confusão, por isso me divirto criando métodos, filtrando fontes, juntando peças em um grande jogo de lógica. Minha bagunça é bem organizadinha, e não me levo a sério… até porque eu sei que a vida é uma imensa, interessante e muito séria brincadeira.

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Domingo engraçado

Passamos o dia sem energia elétrica, por um probleminha técnico em nosso relógio de luz, ou alguma coisa assim. É estranho ficar sem energia elétrica, só aí vemos o quanto somos dependentes de aparatos eletrônicos.  É claro que, assim como os botijões de gás só acabam aos domingos e feriados, a pane em nosso sistema de energia só aconteceu enquanto eu estava tomando banho. Com toneladas de creme no cabelo, uma camada de células mortas e esfoliante pelo corpo, contando com a água quentinha nesse inverno medonho e….puffff…escuridão total e água gelada saindo do chuveiro. O cabelo foi enxaguado com aquele gelo líquido, mesmo, fazer o quê? Meu prestativo marido se ofereceu para aquecer água e me trazer, para que eu pudesse tirar o esfoliante da pele. Pensei “não vai damorar muito, porque é só ele colocar para esquentar no microondas”…demorou uns dois segundos para que eu me desse conta de que não era possível ligar o microondas sem energia elétrica.

Quando finalmente consegui concluir o banho, percebi que não poderia secar o cabelo com secador e fiquei com aquela toalha na cabeça. Chegando no quarto, vi que não poderia ligar o computador e pensei “vou aproveitar para depilar as pernas”…mais uns cinco segundos até cair a minha ficha: impossível usar o depilador elétrico sem eletricidade!! Peguei um livro, depois outro, escrevi em um caderno, fiz algumas anotações. A casa estava uma bagunça, e eu quis aproveitar que o Dave tinha saído (ele foi tentar encontrar o síndico para abrir a sala onde estão os relógios do bloco), para passar o aspirador na casa (Dave se incomoda com o barulho- ainda que nosso aspirador nem seja barulhento)…mais uns quatro segundos…o-ow…sem energia elétrica, não dá para usar o aspirador.  Felizmente a luz voltou antes que o sol fosse embora, pois preciso urgentemente comprar lanternas. Nunca me lembro.  Meu cabelo já estava seco e eu terminei o dia com cólicas (bem que meu pai dizia que eu não deveria ficar com o cabelo molhado no frio…). Muito agradável, visto que analgésicos detestam meu estômago.

Acabei não conseguindo fazer quase nada, mas terminei o dia bastante preocupada com o fato de eu ter ficado até parcialmente sem telefone (pois a linha comercial, que usa telefone sem fio, ficou inutilizável, e a residencial só pôde ser usada porque a extensão usa aparelho convencional). Amanhã providenciarei lanterna e papel, algumas coisas que estão apenas no computador precisam ser impressas. Um dia sem energia elétrica não pode ser motivo para interrupção da rotina, dos afazeres necessários. Mas se algumas coisas estão única e exclusivamente no computador, como se ele fosse extensão de nosso cérebro e de nossas mãos, ficamos um tanto quanto mancos quando não podemos usá-lo. Isso é um pouco assustador.