Categoria: Filmes

Sobre 50 tons de cinza e os mil tons de ignorância

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O artigo polêmico foi publicado primeiro no blog do Bp. Renato Cardoso. De autoria da cantora e escritora americana Evelyn Higginbotham, o texto gerou comentários furiosos de pessoas que queriam porque queriam assistir ao filme 50 tons de cinza sem peso na consciência. Evelyn não ajudou muito. Ela faz uma análise dura do espírito do livro que deu origem ao longa e rasga o verbo dizendo que os responsáveis pelo sucesso do livro são os “demônios da depravação”. Ok, a palavra “depravação” está em desuso, vem à mente a figura de uma velhinha carola acusando: “seus depravados!” Mas, se deixar seu preconceito de lado, você vai concordar com ela. “Depravar” significa estragar, mas tem vários outros significados: prejudicar-se, perverter-se, corromper-se, provocar a decadência. Não há nada que combine mais com 50 tons de cinza.

O livro é ruim. Não é bem escrito, a história, em si, só convence quem já está predisposto a gostar ou que, pelo menos, vai com o coração aberto para se emocionar. Como eu não sou uma pessoa facilmente “emocionável”, achei ridículo – e estou sendo sincera. Sim, eu li o livro. Tinha que fazer uma resenha e, ao contrário de um artigo, em que a pessoa é livre para dar sua opinião tendo ou não lido o livro inteiro, para escrever uma resenha, eu tenho que ler até o fim. Só que a postura para se ler um livro sobre o qual você vai resenhar deve ser crítica. Eu sou uma leitora difícil e o livro tem que me conquistar, tem que me convencer de que vale a recomendação. 50 tons de cinza sequer se esforçou. Se fosse um homem, seria daqueles que só querem levar a mulher para a cama. Tem uma historinha pseudo-romântica, mas é só fachada para as cenas de sexo, não sejamos hipócritas. E as cenas de sexo, apesar de literariamente ridículas (por serem excessivamente descritivas), causaram impacto na maioria das leitoras.

Se tudo é tão ridículo e malfeito, por que raios o troço se tornou um best-seller? Honestamente, eu só posso concordar com a Evelyn, o melhor agente literário de porcaria é o diabo. E não pense, com isso, que estamos dizendo que as pessoas que praticam esse tipo de sexo torto são malignas ou malvadas porque “estão com demônio”, como se as pessoas fossem demônios. Na verdade, o mal não tem o menor interesse em quem já é mau. O interesse dele é prejudicar, perverter, corromper e provocar a decadência da vida de suas vítimas. O problema é quando essas vítimas não percebem que estão sendo envenenadas, lenta e gradualmente pelo conteúdo estragado que consomem na mídia, na literatura, no cinema, na música, no entretenimento, em geral.

O engraçado (ou triste, dependendo do ponto de vista) é que o artigo da Evelyn causou uma discussão absurda. Tudo bem você defender seu direito de comer lixo à margem do Tietê. Cada um com suas preferências gastronômicas. Mas não é justo querer calar alguém cuja opinião contraria a sua (a sua opinião que, diga-se de passagem, é igual à da maioria) se a intenção dessa pessoa é apenas a de alertar a quem está inocentemente se encaminhando para o monte de cocô, sendo enganado pela propaganda, achando que vai comer espaguete ao alho e óleo. Você pode achar que as pessoas devem fazer o que quiserem e descobrir, por conta própria, que não gostam de comer cocô. No entanto, eu gostaria de ter a chance de ser poupada do gosto de fezes na boca e consideraria meu amigo quem me alertasse. Por isso, é impossível que eu não alerte a outros.

Se você está confuso quanto a assistir ou não ao filme ou quanto a ler ou não o livro porque viu comentários dizendo que você deveria formar sua opinião só depois de comer o cocô, um alerta: essas pessoas não são suas amigas e não estão nem aí para você. Elas só dizem isso porque querem fazer o que têm vontade, sem peso na consciência. No entanto, não são honestas para admitir isso nem para elas mesmas. Não digo isso com raiva, mas com pena. Porque se o personagem canastrão Mr. Grey tem 50 tons de cinza em sua alma, a ignorância tem pelo menos uns mil tons.

Quem diz que 50 tons de cinza “é só ficção” ou que sabe separar ficção de realidade, não faz a menor ideia do que está falando. Há várias pesquisas sobre isso isso. Já se mostrou que há alterações significativas no cérebro de quem lê romances. E também que o nosso cérebro não diferencia ficção de realidade e, durante a leitura, ativa as mesmas áreas que ativaria se estivéssemos praticando aquela ação. A leitura da palavra “perfume”, por exemplo, ativa a área responsável por sensações olfativas. Ainda que você entenda “oh, é ficção” e tente separar depois, alguma marca vai ficar. Seu cérebro vai armazenar como experiência vivida. Provavelmente por isso, o que leu começa a ficar banalizado, o comportamento é visto de forma cada vez mais normal e assimilado com facilidade. Agora, imagine assistir a um filme…

Quem diz que não tem nada a ver, não entende nada de história e de literatura, também. Em toda a história da humanidade, a literatura foi usada como meio de influenciar o pensamento e até mesmo arma de manipulação ideológica. Por meio da literatura, comportamentos antes considerados negativos passaram a ser vistos como positivos. Por meio da literatura, mudanças sociais foram sugeridas e digeridas. Para o bem ou para o mal. Geralmente, para o mal, porque o movimento que nossa sociedade tem feito desde a primeira prensa até os dias atuais é na direção da degradação do que temos de melhor. Talvez estejamos no fim da civilização como a conhecemos, a julgar pela propagação da ignorância e estagnação dos cérebros.

Curiosamente, a revista Isto é trouxe matéria de capa falando das pessoas que tiveram “a vida sexual transformada”  pelo livro (pobres criaturas), descredibilizando a palavra de quem, na profunda ignorância, disse que ficção é algo inócuo, que não muda a vida de ninguém. Muda, sim. A boa ficção, muda para melhor. A ficção ruim geralmente só dá dor de barriga. Mas a ficção envenenada, mata aos poucos. Não é de uma hora para outra que seu casamento vai se estragar por causa de 50 tons de cinza ou similares que incentivem a degradação feminina. Não é de uma hora para outra que as mudanças acontecem. E esse é o maior erro das pessoas, em todas as esferas: ignorar o poder das coisas aparentemente insignificantes. O sábio rei Salomão escreveu que são as raposinhas que destroem a vinha. As raposinhas são aquelas pequenininhas, fofinhas e aparentemente inofensivas. É aquela história bonita que faz você chorar. É aquele filme romântico que deixa você suspirando. Fala de amor, pôxa vida, que mal tem? Que mal pode fazer?

Se as pessoas quiserem jogar seu tempo e seu dinheiro no lixo vendo algo que com certeza irá prejudicar sua vida, paciência. Já os mais inteligentes, que dão valor ao seu tempo, ao seu dinheiro e ao seu cérebro, certamente vão usar o tempo e o dinheiro economizados com algo mais útil. Esses, certamente são gratos à Evelyn pelo alerta.

 

 

PS: O mais engraçado são as pessoas que cobram que o Bp. Renato leia o livro antes de criticar, mas não percebem que o texto é da Evelyn…não conseguem sequer ler um post com atenção para perceber que não é dele, será que dá para confiar na percepção delas a respeito de um livro?

PS2: Para quem quiser ler a resenha que fiz sobre o livro, está aqui:  http://blogs.universal.org/cristianecardoso/pt/livros-que-nao-sao-o-que-parecem-cinquenta-tons-de-cinza/  

PS3: Depois disso, o artigo foi publicado também no blog da Cristiane e no do Bispo Macedo e alguns dos comentários no blog da Cris são muito semelhantes aos dos haters no blog do Bp. Renato.Alguns, prefiro nem ler para não sair do Espírito, sinceramente. Meu recado já está dado aqui, aos sinceros que, como eu, não gostam de coprofagia.

 

Filmes Que Não São O Que Parecem – Noé

Traída por um trailer. Foi assim que me senti durante a exibição de “Noé”, do cineasta Darren Aronofsky. Quando vi o trailer, fiquei maravilhada. Os efeitos especiais, o clima da época, a cena em que o líder dos inimigos diz a Noé: “ Tenho soldados à minha disposição e você sozinho me desafia?” Então, Noé, confiante e tranquilo, responde: “Eu não estou sozinho.” –  Uau! Há muito tempo esperava uma superprodução das histórias maravilhosas do Antigo Testamento. Com os recursos que temos atualmente, daria para fazer cenas grandiosas. Mas…era tudo falso, meus amigos. Cada cena daquele trailer foi cuidadosamente montada para enganar a mim e a você.

Não é nem questão de o filme não ser fiel à Bíblia apenas. É muito pior do que isso. Ele simplesmente conta outra história. Se fosse considerar esse filme realmente como uma interpretação do texto de Noé, eu diria que é uma versão satanista. E olha que não sou adepta de teorias conspiratórias, e não saio por aí chamando qualquer coisa de satanista.

Segundo o filme, quando o Criador expulsou o homem do Paraíso, após Adão e Eva terem desobedecido, um grupo de anjos, que sabia que havia algo de bom no homem (afinal de contas, era a imagem do Criador), ficou com pena da humanidade e resolveu descer para ajudar. O Criador, intolerante, entendeu como traição e puniu aqueles anjos, condenando-os a morarem na Terra, amaldiçoados.

Eles eram luz, mas a partir deste momento, se tornaram gigantes de pedra, fisicamente deformados e tortos (algo como um cruzamento dos Ents, do Senhor dos Anéis, com o monstro de pedra, de História sem Fim e algum parentesco com um monstro de lava – todos em grave estado de desnutrição e com problemas sérios de coluna), mas ainda gente boa. Ensinaram ao homem tudo o que sabiam a respeito da Terra, porque eram bonzinhos e queriam ajudar. Se tornaram os Guardiões e acolheram os filhos de Caim.  Só que foram traídos e desprezados pelos homens, que desvirtuaram o que aprenderam.

Siiim, meus amigos, os demônios, segundo esse filme, são apenas seres bem intencionados que queriam ajudar… Na verdade, em todo o filme, os únicos personagens que despertam alguma empatia no público são esses anjos caídos. Estranho, não? A gente chega a sentir pena deles, pois parecem injustiçados. São bons e simpáticos. Você percebe neles respeito por Deus (!!) e os homens os chamam de “servos do Criador”. Essa perspectiva e a distorção do caráter de Deus, do porquê ele escolheu Noé e a distorção do caráter dos próprios demônios (que, na verdade, caíram porque foram egoístas e orgulhosos, nunca tentaram ajudar ninguém), faz com que eu desconfie seriamente que o filme foi inspirado por um demônio que queria se autopromover.

Como não se trata do Noé que a gente conhece, vou chamá-lo de “Nãoé”. :) No início do filme, os filhos de Caim matam o pai do pequeno Nãoé e roubam uma pele de cobra que ele usava para fazer um ritual de “transferência do direito de primogenitura”, algo como tornar-se protetor do meio-ambiente. Os filhos de Caim são malvados porque exploraram os recursos naturais até que a terra se tornasse árida, comem carne, vivem como seres bestiais famintos (isso eu não entendi. O lugar não tem vegetais e os carnívoros é que passam fome?) e não têm educação.

Um dia, Nãoé sonha com gente morta debaixo dágua e entende que o Criador destruirá o mundo. Sabe que tem que fazer alguma coisa, mas não sabe o quê. Como viu também no sonho a montanha em que mora (sozinho) o avô Metusalém, segue para lá com a família. No caminho, encontra um vilarejo destruído e uma menina ferida, Illa, quase da idade de seu filho Sem (todos os filhos de Nãoé são pequenos). Adota a menina. Na estrada, também encontram os demônios gigantes de pedra com problemas de coluna. Desconfiadas, as criaturas não aceitam ajudar a família e deixam todos em uma vala. No entanto, um gigante com cara de dó volta durante a madrugada para ajudá-los a escapar e segue com eles até a montanha.

Vovô Metusalém é uma espécie de bruxo ou xamã. Dá um chazinho alucinógeno para Nãoé, que vê a arca. (Não é Deus que fala com Noé, é o alucinógeno de Metusalém.) Ele também dá uma semente mágica do Éden a Nãoé, que a planta na terra seca. Essa semente é tipo um feijão mágico vitaminado. Quando os outros demônios vêm levar o demônio traidor, entendem que Nãoé realmente falou com o Criador e resolvem ajudar. Uma floresta cresce em cinco minutos (super feijão mágico) e Nãoé vê ali a madeira para a sua arca. Mãos à obra! A família começa o trabalho, mas quem realmente faz a arca é o diabo e os demônios! Em dez anos, concluem o trabalho. (Na Bíblia levou cem anos, mas no filme, com a ajuda dos demônios, apenas dez.)

Nãoé se convence de que nenhum humano merece viver, nem mesmo sua família. Começa a se tornar egoísta e fanático. Se despersonaliza e agora acredita que a missão deles é salvar os animais, que são inocentes, e manter a Terra limpa dos humanos. Humanos, a sujeira do universo. Ele não é escolhido pelo criador por ser bom, mas por ser obsessivo o suficiente para completar a tarefa. Enquanto no original:

“Disse o SENHOR a Noé: Entra na arca, tu e toda a tua casa, porque reconheço que tens sido justo diante de Mim no meio desta geração.” (Gênesis 7.1)

O filme tenta distorcer a noção de “justo” e “justiça”, usando essas palavras fora de contexto diversas vezes, para tentar transformar Noé e Deus em algo que eles nunca foram. Imagino que possa causar confusão na mente de pessoas que não têm muita noção de quem Deus é e se sentem perdidas em um mundo com tanta maldade e injustiça. Sutilmente elas serão levadas a uma interpretação distorcida da mensagem original.

Arca pronta, os animais começam a entrar e são colocados para dormir com uma fumaça-sonífero. Aí, vamos ao anticlímax total: lembra daquela cena do Trailer? Aquela que eu achei superforte, em que o líder dos inimigos diz a Noé: “Tenho soldados à minha disposição e você sozinho me desafia?” Então, Noé, confiante e tranquilo, responde: “Eu não estou sozinho”.

Pois é…no trailer parecia que ele estava falando de Deus. No filme, quando ele diz isso…adivinha? Se levantam atrás dele todos aqueles demônios de pedra. Só pode ter sido de propósito. Quem quer que tenha montado aquele trailer estava realmente a fim de fazer uma piadinha de mau gosto.

Nem a narrativa presta. O filme tem muitas cenas inúteis e sem noção. Por exemplo, em um momento que deveria ser tenso, quando Cam foge para procurar uma esposa justo na hora de fechar a arca, Illa (namorada/esposa/irmã adotiva de Sem) sai atrás de Cam e encontra o vovô Metusalém na floresta. Ele dá um passe que a deixa com dor de barriga e meio ninfomaníaca. O mundo está acabando, mas Ila ataca Sem no meio do caminho, totalmente sem noção do momento ideal (e do local apropriado) para se fazer as coisas (sério, ela começa a beijar ele e você entende que vão tirar a roupa ali mesmo…).

O diabo (líder dos demônios) morre defendendo a arca, pede ao Criador que o perdoe, vira novamente um anjo luminoso e vai para o céu (momento piada que me fez rir), enquanto o outro (que tem cara de coitadinho) diz, com voz abobalhada: “o Criador levou ele para casa!” Então…todos eles querem defender a arca para serem levados de volta para o céu…e, de fato, são. Quer dizer, o diabo é bom, Deus não está nem aí para ninguém (além de ser psicopata, está muito, muito longe. Não dá para contar com Ele) e o homem é que é ruim. No filme, não tem como se livrar do mal, pois ele está dentro do ser humano. A saída? Não dá para entender racionalmente, não. Tem a ver com amor-sentimento e se deixar levar pelo coração. Bela pregação do inferno e completamente contrário ao que a gente acredita.

Dentro da arca, a família infeliz ouve os gritos das pessoas lá fora e insiste com Nãoé para resgatá-las, pois são pobres pessoas inocentes e famintas (manipulação emocional descarada).

“Viu o SENHOR que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração” (Gênesis 6.5) Ou seja, não eram homens famintos buscando comida. Não eram pessoas inocentes, coitadinhas, ignorantes cujo maior erro era comer animais. Não eram pobres criaturas injustiçadas. Era continuamente mau todo desígnio do seu coração. Todo desígnio do coração. De todo mundo, exceto Noé. Como eles iam se arrepender? Como poderiam mudar se não conseguiam enxergar seu erro? E, versículos 7 a 9:

“Então, se arrependeu o SENHOR de ter feito o homem na terra, e isso Lhe pesou no coração. Disse o SENHOR: Farei desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver feito. Porém Noé achou graça diante do SENHOR. Eis a história de Noé. Noé era homem justo e íntegro entre os seus contemporâneos; Noé andava com Deus.”

A ideia não era extinguir o homem, mas começar de novo. Deus escolheu Noé porque ele era diferente do restante da humanidade. E decidiu destruir o resto porque, entenda: pessoas vivendo na maldade e na injustiça já estavam mortas diante dEle. Apenas oficializaria sua condição.

Algum tempo depois, Ila descobre que está grávida ao cuspir em uma folhinha mágica…tipo um teste de farmácia pré-diluviano…hahaha… O problema é que Nãoé está convencido de que o criador quer exterminar sua família (Nãoé não leu a Bíblia). A notícia estraga o plano perfeito para a extinção da humanidade. Ele fica revoltado e tem mais um surto psicótico. Acredita que o Criador quer que ele mate o bebê, se for menina, para evitar que faça mais homenzinhos.

Obviamente, como o leitor já adivinhou, vai ser menina. Mas a partir daí o filme vira um dramalhão mexicano, com tentativas de manipulação emocional e tom sombrio, com Nãoé piradão andando pela arca com cara de psicopata e sua esposa magoada e histérica. Não há fé ou demonstrações de grandeza interior. E o Deus do filme é totalmente ausente, omisso, intolerante e cruel. Mais ou menos o que pensam dEle os que interpretam a Bíblia de modo raso e infantil.

Resumindo, Illa entra em trabalho de parto e tem gêmeas. Na hora em que vai esfaquear a cabeça das criancinhas, Nãoé sente amor no coração e o amor vence o ódio. O ódio, no caso, era a ordem do “criador”. Quando resolve desobedecer, Nãoé consegue ser sensato. (oi?)

Mesmo com o conflito resolvido, ao sair da arca, ninguém mais é feliz, nem inocente. Todo mundo matou ou pensou em matar. Não fala de aliança entre Deus e a humanidade, a mensagem original não é passada, o sentido original é distorcido. A história linda descrita nos capítulos 6, 7, 8 e 9 de Gênesis foi transformada em uma palhaçada. Gastaram milhões para enganar os espectadores e fazer uma babaquice pior do que Transformers. Mas dá dinheiro, e isso é o que Hollywood quer. Em um mundo onde o ceticismo burro impera e é fora de moda dizer que acredita em Deus, “Noé” consegue a proeza de enganar cristãos e ateus. Os primeiros, vão assistir por achar que é um filme espiritual. Os outros, vão assistir achando que não é espiritual.

O filme termina, sem que você tenha muita ideia de qual foi a intenção. Um sermão ecológico sobre não destruir os recursos naturais e se manter vegano mesmo no deserto? Uma discussão existencialista sobre “o ser humano merece viver?” Um filme de ficção com batalhas sem graça e personagens rasos? Um filme de terror com sangue espirrado, corpos em estado de putrefação e homens bestializados matando e morrendo por fome? Uma novela mexicana?

Um filme sem graça e mal escrito, pesado e arrastado, com personagens rasos e histórias ridículas. Há quebra de ritmo em diversos pontos e o personagem principal fica doido de uma hora para outra. É risível. Meu marido comentou que apenas dois filmes fizeram com que ele tivesse vontade de sair do cinema antes de terminar. Noé e “The Fountain”. Por coincidência, ambos de Darren Aronofsky. Cansativos, pretensiosos, arrastados, emocionalmente carregados e com tendências ecologico-newage-existencialistas.

O “Noé” do filme não tem nada a ver com o personagem original; o Deus do filme não tem nada a ver com o Deus da Bíblia, a história do filme não tem nada a ver com a história da Bíblia. O roteiro é tão ruim que precisou de um trailer-isca para enganar os incautos. Quero ver se pegassem um livro do Tolkien e fizessem uma distorção desse nível. A essa altura você teria uma porção de nerds dilacerando o roteirista e organizando boicotes em massa. Nunca mais o estúdio se atreveria a fazer algo parecido. O pessoal já ficou indignado porque no segundo filme do “Hobbit” acrescentaram uma personagem que não existia no livro! Imagina se alterassem toda a história, personalidade e caráter de absolutamente TODOS os personagens? O trabalho foi malfeito, mesmo. Eu me senti enganada, traída e assaltada.

Para mim, o verdadeiro roteirista desse filme (por trás do ser humano) foi o mesmo espírito que falou com o amigo perturbadinho de Jó…

“Uma palavra se me disse em segredo; e os meus ouvidos perceberam um sussurro dela. Entre pensamentos de visões noturnas, quando profundo sono cai sobre os homens, sobrevieram-me o espanto e o tremor, e todos os meus ossos estremeceram.

Então, um espírito passou por diante de mim; fez-me arrepiar os cabelos do meu corpo; parou ele, mas não lhe discerni a aparência; um vulto estava diante dos meus olhos; houve silêncio, e ouvi uma voz: Seria, porventura, o mortal justo diante de Deus? Seria, acaso, o homem puro diante do seu Criador? Eis que Deus não confia nos seus servos e aos seus anjos atribui imperfeições; quanto mais àqueles que habitam em casas de barro, cujo fundamento está no pó, e são esmagados como a traça! Nascem de manhã e à tarde são destruídos; perecem para sempre, sem que disso se faça caso. Se se lhes corta o fio da vida, morrem e não atingem a sabedoria.” (Jó 4.12-21)

E:

“Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce de mulher, para ser justo? Eis que Deus não confia nos seus santos; nem os céus são puros aos Seus olhos, quanto menos o homem, que é abominável e corrupto, que bebe a iniquidade como a água!” (Jó 15.14-16)

Esse é o espírito que ajudou a escrever o roteiro de “Noé”. Não é um raciocínio muito semelhante? A forma de distorcer as coisas, dizendo que o diabo não é mau, Deus é que atribui imperfeição a tudo! E o ser humano é um nada, pó, ridículo e desprezível. Essa é a visão do diabo, não de Deus.

O objetivo de Deus sempre foi conseguir uma forma de redimir a humanidade, a quem Ele ama e sempre amou. O diabo nos despreza e sente profunda inveja porque Deus deu ao homem o privilégio de ser chamado Seu filho e de cuidar de tudo o que Ele fez. Se alguém tivesse clamado, querendo ouvir a Deus, como o chefe malvado fez em certo momento do filme, certamente ele não teria ficado de fora.

“Desviando-se o justo da sua justiça e praticando iniquidade, morrerá nela. E, convertendo-se o perverso da sua perversidade e fazendo juízo e justiça, por isto mesmo viverá.” (Ezequiel 33.18,19)

O filme não mostra as falas maravilhosas de Deus, seu amor pela humanidade, sua misericórdia, sua aliança com Noé… além de destruir a imagem de Deus e o que Ele pensa da humanidade, faz parecer que obedecer a Deus é algo ruim, que transforma homens pacatos em psicopatas…

Espero que esse texto ajude a evitar que você gaste seu suado dinheirinho com algo que não vale nem um centavo, principalmente por passar uma mensagem mentirosa. E espero que evite que você gaste duas horas e meia de sua vida com uma bobagem desse nível. O alerta é para que ninguém mais seja enganado como eu fui. Há uma diferença enorme entre um filme que assume que é mera ficção, fantasia, e um filme que finge ser uma coisa no trailer e é outra na exibição.

Vanessa Lampert

PS: Agora você consegue entender a campanha: “Eu não vou assistir a Noé” que tomou conta do Instagram ontem. É tanta baboseira no filme que nem dá vontade de comentar, só de alertar os amigos para que não percam tempo. Mas como muita gente estava achando que o que tinha de diferente da Bíblia era só uma ou outra adaptação e estava curiosa para assistir, achei que seria importante escrever.

PS2: Quer economizar seu dinheiro e seu tempo, mas ainda quer saber mais detalhes da história? Eu escrevi a sequência completa do filme, para que você conheça a história sem precisar gastar duas horas e meia no cinema. Mas ficaria grande demais para colocar aqui, então vou deixar o link. Clique aqui para ler.

PS3: Quanto aos efeitos especiais, sinceramente, não vi nada que já não tivesse visto em outros filmes. Eu entenderia o argumento de “ver por causa dos efeitos especiais” se estivéssemos falando de Avatar, por exemplo, que cria outro mundo, ou mesmo Senhor dos Anéis. “Noé” peca até nisso. Para quem está habituado a filmes com efeitos especiais, é fraco.

UPDATE: Não achei que precisaria explicar isso, mas vamos lá: Na Bíblia, os anjos que ficaram no céu são anjos. Os que caíram, são demônios. No filme, os Guardiões são anjos caídos, logo, demônios. O chefe deles chama-se Samyaza, nome identificado com o líder dos demônios no livro apócrifo de Enoque. Então, eu não estou inventando nada quando chamo os gigantes de pedra de demônios. O básico de qualquer adaptação cinematográfica é manter-se fiel ao espírito do original. Isso é teoria do roteiro. Você pode (e deve) adaptar à linguagem do cinema, omitindo algumas coisas e criando outras, para que a história flua bem na tela e seu roteiro seja original, mas sem descaracterizar a história, ou é melhor chamá-la de outra coisa. O que Aronofsky fez em “Noé” não é uma adaptação.

Para quem assistiu a (ou leu) “Senhor dos Anéis”: é como se ele fizesse um filme em que Sauron é bonzinho, os Orcs ajudam os habitantes da Terra Média e o anel deixa as pessoas melhores…e chamasse isso de “Senhor dos Anéis”. E no trailer, desse a entender que seria uma adaptação. Seria visto como um roteirista incompetente e execrado pela opinião pública e crítica especializada. E Hollywood já fez boas adaptações, inclusive bíblicas, mas em um passado muuuito distante.

 

*Texto originalmente publicado no blog Cristiane Cardoso