Categoria: saúde

A fé é uma decisão

Ando bem cansada fisicamente, e a cabeça funciona à prestação, então levo uma semana para completar um dia. É chatinho, mas tive uma virose no mês passado e o processo de recuperação é mais lento. A virose já se foi faz tempo, agora meu organismo precisa se recuperar do desgaste e do período de repouso (é, por incrível que pareça, repouso cansa, porque a criatura disautonômica  perde massa muscular). Mas estou melhorando.

Eu estava pensando no quanto esses altos e baixos da recuperação de uma doença crônica poderiam bagunçar a cabeça de alguém que estivesse com a fé em baixa. Porque em todo esse processo, a única coisa que me ajuda a manter a sanidade mental é a fé. Fisicamente esgotada, mas nunca desanimada. Às vezes tem a tal “névoa mental” (brain fog), mas nem sombra de depressão. Meu corpo ainda está meio coisado, mas estou sempre tentando ficar bem e dificilmente você vai me ver com “cara de doente” (fico muito “miss olheira” e nem sempre estou fotografável, mas se eu saí de casa ou deixei alguém me visitar é porque estou minimamente apresentável e “visitável”). As pessoas acham esquisito o fato de eu viver sorrindo e bem humorada mesmo com tanta coisa “ruim” acontecendo. Não estou fingindo. Eu realmente estou feliz, porque minha felicidade independe das circunstâncias, ela vem do que está dentro de mim (eu não sou meu corpo). E meu foco está todo no fortalecimento da minha fé.

Passo o dia pensando nas coisas de Deus, medito no que leio na Bíblia, no que ouço nas reuniões, no que vejo nos programas da igreja… de modo consciente, absolutamente tudo o que eu vejo já tento relacionar com as coisas da fé, mesmo que seja uma notícia secular. Coloquei na cabeça que meu objetivo é agradar a Deus, sair dessa fase mais forte espiritualmente e mais preparada para destruir as obras do inferno. Quero sair dessa bem melhor do que entrei — e tenho conseguido.

Quero ser uma pessoa melhor, tenho superado inseguranças que eu nem sabia que tinha, tenho descoberto coisas em mim para melhorar e que poderei repassar a outras pessoas em um futuro próximo. Tenho tido ideias para dezenas de livros, vídeos e artigos. Faço planos, traço metas e vou aprendendo a não dar bola para o que até pouco tempo me deixava preocupada ou chateada. Não me interessa se eu não consegui sair da cama ou se fiz uma caminhada no supermercado e não consegui fazer mais nada o dia inteiro. Os dias ruins não querem dizer nada no contexto geral. Só conto os dias bons, ainda que sejam poucos. Meu objetivo é usar esse tempo para me aproximar de Deus, afiar a minha fé a fim de que seja impossível alguma coisa me parar novamente.

Não sobra tempo para gastar com pensamentos negativos ou sentimentos ruins. A fé é uma decisão. Ouvi isso em uma reunião do Bp. Renato e nunca vou me esquecer. A gente tem que decidir crer, independentemente de qualquer outra coisa. Por enquanto o que eu tenho ainda é muito pouco, mas é o que eu tenho, é com isso que tenho que trabalhar. Vivendo um dia de cada vez, com a certeza de que coisas incríveis estão para acontecer, porque o cumprimento das promessas é inevitável. E quando Deus diz que tudo coopera para o bem daqueles que amam a Deus (amar é obedecer), é TUDO mesmo.

Mesmo quando você não pode fazer absolutamente nada para mudar suas circunstâncias, por estarem fora do seu controle, ainda existe muita coisa que você pode fazer e que pode transformar o resultado dessa situação adversa. Pare de olhar o que você não tem, o que você perdeu ou o que não está conseguindo. Em um momento complicado, diante de uma situação adversa, cabe a você decidir como vai reagir. A qual pensamento vai dar ouvidos, a que tipo de atividade vai se dedicar, o que vai ler, a que vai assistir, com o que vai gastar seu tempo, que tipo de palavras e sentimentos vai permitir que frequentem sua cabeça.

Você pode rejeitar (e expulsar) qualquer pensamento, sentimento ou sensação ruim, pode se trancar no banheiro e conversar com Deus quando precisar desabafar com alguém (é muito mais eficiente, por sinal), pode deletar do seu celular aquela rede social que rouba seu tempo e enche sua cabeça de lixo (já fiz isso com o Facebook e o Twitter, tenho que entrar no computador para acessar, se quiser. Mas isso é assunto para outro post), pode entregar suas preocupações para Deus e decidir crer.

Essas são coisas que só você pode fazer.

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PS. Amanhã apareço de novo para conversar mais um pouco sobre essas coisas. 🙂

PS2: Tudo isso para que você entenda, de uma vez por todas: não se trata de como sua vida está no momento ou das circunstâncias que você vem enfrentando. A estrutura de que você precisa deve ser construída de dentro para fora.

Perguntas dos leitores, parte 1

exaustaPlena

Vinícius Silveira – Lembro-me de em alguns posts você falar sobre um certo cansaço que sentia. Já eram sinais ou eles apareceram de uma hora pra outra?

V – Não posso afirmar, pois não sei qual foi o post, mas é muito provável que já fossem sinais (a menos que tenha sido algum cansaço natural, justificado, por eu ter feito alguma coisa realmente cansativa rs). Os sintomas foram aumentando gradualmente, tive períodos de melhora e piora, mas consigo identificá-los claramente a partir de 2006, que foi quando a saúde começou a se deteriorar lentamente (mas sempre dava para atribuir a alguma outra coisa, como problemas hormonais, falta de água, estresse — perdi a conta de quantos médicos disseram que era estresse… — cada hora alguém sugeria uma causa diferente, eu tratava, melhorava um pouco e depois piorava de novo. Às vezes tinha outro problema associado, melhorava o problema associado e eu ficava na ilusão de estar melhor). 

De 2014 para cá a piora foi progressiva, até chegar a um ponto que não consegui mais segurar sozinha e nada que eu fazia era capaz de melhorar (isso no final de 2017). Essa piora maior a partir de 2014 se deu quando me senti mal na academia e fui ao cardiologista, que me pediu vários exames e orientou a suspender a atividade física enquanto não descobríssemos o que era… Suspendi a atividade física, fiquei super sedentária e meu quadro piorou (porque disautonomia piora com inatividade). Agora preciso voltar a conseguir fazer exercícios, porque isso vai me ajudar a melhorar.

Aliás, acho que o problema todo foi justamente a piora não ter sido de uma hora para outra. Como foi gradual, fui me adaptando às limitações e demorei para perceber que tinha alguma coisa séria acontecendo. Aliás, isso é meio padrão na vida, pensa bem, se o problema vem de uma vez, de uma hora para outra, a gente se assusta e procura ajuda. Mas se a água da panela vai esquentando lentamente, quando a gente vai ver, já está cozido. Por isso nossa tolerância a situações ruins não pode ser muito elástica. Não dá para ir “empurrando com a barriga” alguma coisa que você percebe que está te prejudicando. 

Camila Gomes – Você já nasceu com alguma doença ou desenvolveu depois de adulta? Ou já tinha e os sintomas começaram a aparecer nos últimos anos? 

V – Então, resposta complicada rs. É um problema que já existia, mas que só se manifestou como “doença” depois. Eu não sabia, mas nasci com uma mutação em um gene que faz a síntese do colágeno. O colageno é a “cola” do corpo, e o meu é defeituoso, o que faz o corpo ser mais frágil. Na verdade, ninguém sabe direito ainda como é o mecanismo que leva essa mutação a desenvolver todas as complicações que ela pode desenvolver (a tal Síndrome de Ehlers-Danlos), e como é algo que está no corpo todo, pode piorar mais uma função e menos a outra, variando de pessoa para pessoa. No meu caso, existe até a possibilidade de que a cardiopatia que eu tive ao nascer esteja ligada à disfunção autonômica e ao problema do colágeno, ou seja, a doença poderia estar presente desde que eu nasci, mas ninguém sabia. 

Hoje consigo identificá-la em vários pontos da minha vida: no cansaço fácil do qual eu reclamava em praticamente todos os meus cadernos (piorando a partir dos 14 anos), nos formigamentos das pernas, nas dores das mãos (que me levavam a imobilizá-las várias vezes e me fizeram escrever com as duas), na falta de sede, na falta de fome, em vários problemas durante a vida que os médicos não identificavam. Muitas coisas eu sequer achava que eram sintomas. E me acostumei a sempre me forçar além dos meus limites para fazer alguma coisa, ou nunca faria nada, porque me canso muito antes das pessoas normais. 

Resultado: eu tinha muito mais resistência a trabalhar exausta, e ninguém percebia, o que paradoxalmente fez de mim uma pessoa mais forte rs. É meio parecido com o que o Bp. Renato disse esses dias, sobre tempos difíceis fazerem pessoas fortes. No meu caso, as dificuldades me fizeram mais forte por dentro e por fora, e creio que recuperarei essa força exterior em breve. E é verdade: quando as coisas são mais difíceis, quando as outras pessoas não levam suas dificuldades a sério e quase ninguém te dá apoio, você acaba tendo duas opções a escolher: ou fica se vitimizando e fazendo drama, se sentindo “a injustiçada” e sofrendo; ou se levanta, aprende a confiar em Deus e fica mais forte. Não dá para viver muito tempo nessa primeira opção (ao menos não quando você quer VIVER, de verdade), então a gente fica mais forte e deixa de se permitir ser colocada como vítima das circunstâncias. 

Samara Brion – Gostaria de saber quais sintomas sente, quando descobriu a doença.

V – Os sintomas principais da disautonomia, no meu caso, são: fadiga incapacitante (sensação de exaustão física) mesmo deitada, sonolência (geralmente causada por pressão baixa ou frequência cardíaca baixa), cansaço absurdo quando estou em pé (como se subisse uma montanha), gastroparesia (a digestão simplesmente para. Eu já cheguei a vomitar à noite o que tinha comido de manhã ou no dia anterior – eca). Brain fog (“névoa cerebral”: falta de concentração, raciocínio lento, dificuldade de encontrar palavras, cansaço mental…nesses dias eu tento ficar longe da internet, para não ficar escrevendo “unicóórnio” nas redes sociais hahaha), estase venosa (acúmulo de sangue nas extremidades, principalmente nos pés e pernas quando em pé, chegam a ficar vermelhos ou arroxeados, por isso uso meias elásticas), falta de equilíbrio (um dos motivos de eu estar usando um bastão de caminhada, tipo o cajado de Moisés rs). Mas tenho dias bons, em que essas coisas todas estão mais atenuadas e consigo sair de casa.

E os sintomas que são usados como critério diagnóstico para POTS (o tipo de disautonomia em questão): frequência cardíaca em pé sobe mais de 30 batimentos por minuto e se mantém assim nos primeiros 10 minutos. Por exemplo, em repouso costuma estar em torno de 55, em pé pula para 120 e não diminui. Isso não é normal e mostra uma disfunção autonômica (disautonomia), porque o sistema nervoso autônomo é a parte do sistema nervoso que regula as funções automáticas do corpo (como frequência cardíaca, pressão, circulação, digestão, respiração…). O normal é um aumento de uns 10 batimentos por minuto, por exemplo, a pessoa em repouso está com 60bpm e em pé vai a 70 bpm. 

Investigo esses sintomas desde 2014, mas o diagnóstico só veio no final de 2017, mesmo com o tilt test (exame capaz de detectar) positivo desde 2015… (cardiologista “muito bom” #sqn que eu tinha não entendia nada)

Gabriela Alves – Com a doença, você deu um tempo no trabalho?

V – Sim, infelizmente. No final de 2018 (antes das eleições), acabou a bateria de vez e tive que parar. Ainda não estou conseguindo fazer a mesma coisa todos os dias, gastar energia mental e física em produção de textos argumentativos com pesquisa, edição de texto de outros autores (o que exige um trabalho absurdo de atenção, porque a responsabilidade é grande) e avaliação de conteúdo, que é outro trabalho bem complexo e detalhado. Mas estou melhorando (pela fé) e sei que logo vou conseguir ter condições de voltar. Aliás, justamente por isso estou me forçando a escrever mais, a estudar, a postar no blog… 

Gabriela Alves – Como é sua rotina?

V – Entendo “rotina” como um conjunto de coisas que as pessoas fazem todos os dias em horários pré-definidos, é isso? Ainda não consigo ter isso, porque tudo depende de como estou no dia. Mas estou tentando fazer uma. Por favor, me explique o que as pessoas querem saber quando me perguntam isso. É sério, sempre me perguntam e eu não sei responder, por favor, me ajude, detalhe um pouquinho mais rs. 

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PS1. Acho que a grande utilidade de falar sobre essas doenças é deixar mais forte o testemunho quando eu me livrar delas, afinal de contas, vocês acompanharam o horror, serão minhas testemunhas da vitória. 🙂 

PS2. A disautonomia não é exclusividade da síndrome de Ehlers-Danlos, ela pode vir também como consequência de outras doenças, até de algumas mais comuns, como diabetes e esclerose múltipla (que é rara, mas é mais comum que SED, ou ao menos mais diagnosticada). E pode acontecer em idosos, pela própria idade mesmo. Pode aparecer como sequela de uma virose forte ou mesmo de uma cirurgia. Eu costumo dizer que é como um mau contato na fiação. Tem gente que consegue ter uma vida quase normal com ela, tem gente que está mais esgualepada que eu. Tudo depende do nível de comprometimento. A maioria das informações úteis está em inglês, inclusive uns banners informativos do Facebook da Dysautonomia International, que seria algo muito útil de ter em português, mas aos poucos as coisas vão chegando.

Se alguém quiser links em português sobre o assunto, esse fala sobre a POTS https://sobrepots.blogspot.com/2017/10/sindrome-da-taquicardia-postural.html  Este é sobre as adaptações de estilo de vida que costumam melhorar o quadro (ou evitar coisas que pioram) https://sobrepots.blogspot.com/2017/09/adaptacoes-de-estilo-de-vida-para-pots.html 

PS3. Sobre a SED, essa matéria com a história das irmãs Julia e Luana talvez exemplifique melhor toda a complicação e a questão da falta de médicos especializados no Brasil. O tipo delas é mais grave porque pode causar ruptura de órgãos e aneurismas, levando à morte, mas fora isso os sintomas no geral são bem semelhantes. https://www.gazetadopovo.com.br/viver-bem/saude-e-bem-estar/irmas-sindrome-ehlers-danlos-lutam-contra-preconceito/ É uma doença muito esquisita, convenhamos.

PS4. Fiz um post com cara de entrevista, pinçando só as perguntas dos comentários de vocês, mas li tudo que vocês escreveram, tá? 

PS5: Daqui a pouco coloco a parte 2, depois a parte 3… os próximos assuntos são: saída de pastores, fé, gremlins e livros. 😀

PS6: Fiz algumas pequenas edições nos comentários: Recortei só as perguntas, para ficar com cara de entrevista, e quem fez mais de uma pergunta, elas vão aparecer separadas, não briguem comigo rs. E troquei os “senhora” por “você”, para uniformizar. 🙂

PS7. Se alguém tiver mais alguma pergunta, fique à vontade para fazer. 🙂