Em pleno século 21, nos vemos coagidos a entrar em caixinhas rotuladas e a pertencer a “categorias”, como se as pessoas de cada “categoria” tivessem as mesmas opiniões sobre os mesmos assuntos e não pudessem nunca ter um relacionamento saudável com pessoas de fora da sua bolha. 

Cresci e me desenvolvi em um mundo realmente plural, onde diversidade não tinha a ver com características físicas externas, mas com ideias e opiniões. Pensávamos diferente, tínhamos bagagens diferentes, mas nos deliciávamos ao descobrir pequenas similaridades em interesses e pensamentos.  Essas semelhanças nos uniam e nossas diferenças não nos afastavam. Isso foi antes do mainstream enlouquecer e decidir que agora estava na hora de acabar com o mundo e instaurar uma distopia que vai terminar com algum anticristo governando a coisa toda.

Porém, ainda existe a resistência. A resistência silenciosa (presa na espiral do silêncio por coação ou por vontade própria e preguiça de discutir com gente burra mesmo) que gosta de falar sobre bons livros, de compartilhar vídeos de bichinhos fofinhos, de observar girassóis, de plantar tomates, de admirar a natureza, e procurar o melhor nos outros e em si mesmo. A resistência que acredita que as pessoas não são seus corpos ou suas características físicas e que todo mundo tem condições de pensar (embora nem todos se interessem por isso). 

A resistência que entende que opinião deve ser bem fundamentada e que não precisa dar opinião sobre tudo o tempo todo. A resistência que gosta de respeitar o outro e de fazer as pessoas se sentirem felizes, mesmo quando pensam diferente. A resistência que não suporta a ideia de xingar ou agredir alguém. A resistência que está em paz e gosta de transmitir essa paz para outras pessoas. 

Ainda existe a resistência, e é com essas pessoas que eu quero falar. Não com os descerebrados beligerantes que gostam de metralhar desconhecidos (e conhecidos também, por que não?) em embates intermináveis e absolutamente inúteis entre pessoas que não querem e não vão ouvir o outro ou mudar de opinião. 

Não entendo o que leva essas pessoas a gastarem horas e horas do seu tempo inutilmente dessa forma. Confesso já ter sido belicosa no passado, mas não consigo me lembrar o que me levava a isso. Insegurança? Necessidade de autoafirmação? Não sei dizer. Só sei que agora, eu sou a resistência. Tenho minhas ideias, tenho minhas opiniões, elas não estão presas em caixinhas, em categorias, não falo por grupos e não me imponho rótulos. 

Se alguém quiser me conhecer, tem que ser pelos antigos métodos: o de ouvir, observar e acreditar. Conviver, ler, reler, escutar com atenção. Eu sou textão. Como a maioria das pessoas, aliás. Somos textões cheios de parágrafos e vírgulas e reticências e parênteses. Somos nuances e detalhes. Não podemos ser lidos por cima, correndo, de qualquer jeito. Você nunca vai entender ninguém se ler as pessoas assim. 

E eu realmente espero que a resistência, apesar de silenciosa, se encontre e consiga montar uma rede de conexões saudáveis no meio de todo esse caos, como um oásis de inteligência para acolher aqueles rebeldes que quiserem uma vida tranquila, próspera e feliz de verdade. É o que gostaria de fazer. É o que gostaria que todos os que são essa resistência pacífica e inconformada fizessem.

Se você também faz parte dessa resistência, que não está minimamente interessada em se digladiar com desconhecidos nas redes sociais em rinhas pautadas pela mídia, que não quer odiar pessoas por não serem cópias de você, que não compra os dogmas do mundo e nem os defende com a força visceral de uma defesa religiosa, fique à vontade por aqui e por qualquer outro lugar em que eu esteja. Gostaria que pudéssemos nos unir, ainda que na intersecção de nossos nichos de interesse e pensamento. Desde que se mantenha o respeito, aqui você nunca será desconsiderado. 

 

 

 

PS. Tenho que acrescentar um “desde que se mantenha o respeito” porque também não é a casa da mãe Joana, né? O mundo civilizado foi invadido por pessoas tão mal educadas que acham que podem entrar em blogs e redes sociais dos outros e sair ofendendo, xingando e sendo grosseiras com relação a assuntos e pessoas que são importantes para os donos dos blogs e perfis, com a desculpa de “dar a própria opinião”. Sou da velha guarda da internet. Tia Vanessa é um dinossauro que modera comentários, silencia contas e conversas inteiras no Twitter. Mas só de gente mal educada. Paz. Justiça. Respeito. Diversidade de pensamento. Educação. Sinceridade. Verdade. São poucas as coisas que eu prezo e exijo de quem convive comigo. Quer seja pessoalmente ou virtualmente, porque não faço distinção. Não sou uma pessoa online e outra pessoa offline. E acho que ninguém deveria ser.

3 Comments on Procura-se a resistência

  1. Texto preciso Vanessa! Caí aqui de paraquedas (até hoje estranho o novo acordo ortográfico) depois de tanto tempo do outro lado dos mares da vida. O mundo está cada vez mais acelerado, radicalizado, atomizado, agrupado em bolhas para cada assunto, cada qual com seu viés. É um mundo tetradimensional em que cada pessoa é simplificada como bidimensional (ou unidimensional), reduzida, portanto, em sua complexidade, a uma categoria uniforme e monofásica de pessoa que não caracteriza e não exprime, com justiça e fidelidade, o indivíduo em sua inteireza. Isso acontece na forma, mas também no conteúdo. Cada pessoa tem seus gostos, suas ideias, visão de mundo, e percebo que as redes sociais não apenas (i) aproximaram os semelhantes, e (ii) afastaram os diferentes, mas também (iii) afastaram os semelhantes (?!), e (iv) atraíram grupos distintos que gostam da guerrilha virtual de ideias. Isso contaminou as famílias, as empresas, os jornais, a mídia, e as autoridades. Os debates e diálogos de ideias e de assuntos, de alto nível, rico conteúdo e grande respeitabilidade, são escassos, tanto entre os que concordam com determinados assuntos, como mais ainda entre os que discordam. De tal forma que, quem faz parte da resistência a que você se refere, têm poucas pessoas (e oportunidades) para o diálogo, que se reduz aos melhores amigos, e mesmo assim, de acordo com o assunto que os aproxima, ou o objetivo em comum que ambos possuam. Além disso, há o caráter temporal, o momento histórico em que cada pessoa se encontra, o que pode favorecer ou atrapalhar o diálogo sobre determinado assunto. Como exemplo, apenas para materializar o diálogo, e por amor ao debate, atualmente tenho conversado (com pouquíssimas pessoas e em pouquíssimas ocasiões) sobre os temas (i) fé, (ii) direito, (iii) política, (iv) instituições do país, (v) economia, (vi) concursos públicos. Entretanto, as três estantes de livros que estão aqui atrás são testemunhas vivas não apenas da minha história de estudos, mas também de diálogos sobre os mais diversos assuntos com os amigos e familiares ao longo dos anos e lugares pelos quais passei. Os livros estão divididos nas seções acima referidas (i) fé, (ii) direito, (iii) política, (iv) instituições do país, (v) economia, (vi) concursos públicos, mas também incluem filosofia, história, sociologia, literatura, português, biografias, investimentos, aperfeiçoamento pessoal (auto-ajuda?), exército e militares, geopolítica internacional das nações, clássicos literários da humanidade, matemática, fotografia, artes, arquitetura e poesia. De certa forma tais livros (muitos ainda não lidos) cristalizaram interesses e fontes de bons diálogos ao longo dos anos. Há também a questão do tempo de que dispomos e das prioridades da vida em cada momento. Por exemplo, ando estudando bastante assuntos específicos de direito e concursos públicos. Mas até hoje a obra completa de Shakespeare me olha perguntando quando será lida (e eu respondo com um singelo não sei rs). Como ela, há muitos livros em igual situação. Nossas leituras de livros são uma metáfora dos diálogos com as pessoas. É um desafio conciliar tempo e prioridades na leitura (que dirá para o diálogo). Por fim, uma última observação. Tenho a impressão que o método do apóstolo Paulo de diálogo é especialmente proveitoso nos dias atuais. Ele tinha profundos diálogos não apenas com os sábios atenienses, mas também com habitantes dos mais diversos tipos de países pelos quais passou. Ele sabia ouvir, tinha empatia, entendia o ponto de vista do outro, respeitava, e então dialogava (ainda que discordando), buscando a mais eficiente e eficaz compreensão possível. Isso é bem raro hoje. Saudações!

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