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Aprendendo a dirigir VI – O examinador vive

Como os arquivos da minha extinta coluna na Revista Paradoxo desapareceram após remodelagem do site, aproveito o período de férias do Lampertop para agendar a publicação desta saga aqui…espero que ajude outras pessoas que estejam passando por situações parecidas…
Aprendendo a dirigir VI

O examinador vive

por Vanessa Lampert
de Porto Alegre
[09/06/2007]

Reprovar pela segunda vez no exame de direção é uma prova a mais, após o teste de direção, testa-se a auto-estima, o autocontrole, a paciência. Pensemos pelo lado positivo, pelo menos eu não morri na baliza. A baliza foi até bastante agradável, por sinal, tudo direitinho, no tempo, com luz do sol e clima fresco. Logo antes do exame, que começou ligeiramente atrasado, um examinador fez a mesma palestra do da semana passada, porém, ao contrário do outro, não pareceu simpático ou amigo, mas impaciente. Perguntou, por obrigação, se alguém tinha alguma dúvida. Infelizmente, algumas pessoas tinham. Na hora de responder, visivelmente contrariado, ele incluía um irritado “é fácil, é super fácil” entre as frases. Pelo menos descobri que a tal fundação que aplica dos exames do Detran, substituindo a Fundatec é a Fundae.

Enfim, como dizem os gaúchos, eu “rodei”. Claro que a reação natural é buscar culpados e eu poderia apontar dedos para o examinador, para o fato de ele ter ensaiado encrencar com o nome novamente, no início, para meu nervosismo desde a hora em que ele reclamou do sobrenome abreviado, crescente durante o trajeto, pois conforme eu errava, ele se impacientava.

Porém, minha tendência ao perfeccionismo suicida faz com que eu tente apontar todos os dedos para mim, porque não consegui manter a calma e tive uma seqüência de emburrecimento, algo bem semelhante ao que acontecia durante minhas aulas na outra auto-escola e que relatei na crônica Aprendendo a dirigir, de novembro de 2005.

Tive raiva de mim, vontade de desistir para me punir, como a mãe que tira a televisão do filho desobediente. Não errei por não saber, errei por nervosismo e isso é imperdoável para alguém que preza tanto o domínio próprio. No entanto, após raciocinar, me dei conta de que a culpa não é apenas de um indivíduo, mas de uma série de fatores, todos já citados acima, com seus graus de importância. A conseqüência de uma ação depende da própria ação e de nossa reação a ela. São dois fatores causais.

Enxerguei diante de mim duas opções: ou me desespero e bato a cabeça em um tronco de árvore ou me conformo com o resultado, imaginando que tudo tem uma razão de ser. “Em tudo dai graças”, ensina o apóstolo Paulo em ITessalonicenses 5:18 É difícil dar graças em uma circunstância que nos traz tanta frustração, mas acredito que aí esteja a maior lição a se tirar de uma situação dessas. Saber que não temos o controle, que nem tudo está em nossas mãos e que devemos aproveitar as adversidades para nosso crescimento.

Fiz uma lista mental de tudo o que me atrapalhou durante o percurso, para trabalhar nisso até o próximo exame, no dia 21. Tenho de aprender a não ficar tão esquentada caso alguém encrenque com uma coisa burra como “não é permitido abreviar o sobrenome”. É óbvio, racionalmente, que essa proibição se aplica apenas aos nomes que, por extenso, cabem no campo destinado a esse fim no sistema do Detran, logo, que apenas os portadores desses nomes sejam incomodados. Quem tem dois nomes e quatro sobrenomes longos não tem outra alternativa, portanto, deve ser deixado em paz para evitar stress e nervosismo desnecessários.

Porém, conforme o examinador Adriano deixou bem claro na semana passada, funcionários são proibidos de pensar, então, como bons robozinhos, jamais entenderão um raciocínio de tamanha complexidade. Tenho de aprender a ter paciência e não me abalar com esse tipo de coisa, também devo exercitar a calma e me livrar do trauma do antigo instrutor estressado e, mesmo se pegar um examinador da mesma espécie, manter minha tranqüilidade e dirigir como sei dirigir, não como um polvo descoordenado. E, caso ele enfie o pé no freio quando achar que eu não conseguiria fazer a conversão na frente de um monza caindo aos pedaços que vem na via onde quero entrar, não preciso tomar um susto tão horrendo a ponto de achar que o coração saiu pelo ouvido esquerdo e se enfiou em uma boca-de-lobo para se esconder. Depois disso, com as pernas tremendo, fiz todos os erros que poderia fazer e também os que não poderia. Foi bom, pensemos pelo lado positivo, esgotei minha cota de erros e não os tenho mais para gastar no dia 21, só me resta acertar e passar no exame.

O Claudio ficou tão ou mais chateado do que eu, porque acreditava muito na minha capacidade, até porque ele me dá aula há bastante tempo e sabe que eu já aprendi, já perdi o medo de pedestres, de caminhões, de ônibus, ciclistas, cachorros e passarinhos na pista. Algumas pessoas vão para o segundo, o terceiro, o quarto exame sem marcar nenhuma aula extra, eu preferi marcar. Não que eu tenha dinheiro para isso, mas prefiro pagar muitas aulas e treinar bem do que apenas pagar taxas de teste, que não me trarão experiência maior do que reprovar.

Reprovei, mas pelo menos tenho a oportunidade de aprimorar o que já sei fazer e consertar os bugs que ainda existem. Marquei mais algumas aulas, umas duas à noite, para aprender a dirigir no escuro, outras durante o dia. O Claudio comentou que teremos de treinar ele colocar o pé no freio no meio de uma manobra. Não sei se foi brincadeira ou a sério, mas achei a idéia interessante, acho que vou seguir a sugestão do Davison, meu marido, e pedir ao Claudio algumas aulas terroristas, para que eu consiga alguma malandragem e jogo de cintura para lidar com qualquer tipo de examinador, sem dar uma de florzinha histérica, que isso não combina comigo.

Infelizmente (ou felizmente, depende do ponto de vista), caros leitores, vocês terão de agüentar ainda mais duas semanas dessa epopéia. Depois, assim espero, estarei habilitada não apenas para dirigir, mas também para escrever sobre outros assuntos.

PS: Esse texto foi escrito em 2007…amanhã o capítulo VII será publicado.

Aprendendo a dirigir V – O Império contra-ataca

Série de posts, escrita em 2007, que desapareceu com a hecatombe sofrida por minha antiga coluna na Revista Paradoxo e que ressuscita aqui, para apreciação da posteridade.

Aprendendo a dirigir V

O império contra-ataca

por Vanessa Lampert
de Porto Alegre
[01/06/2007]

Meu teste prático estava marcado para o dia 30. Cheguei no horário, peguei a etiqueta e meu histórico do Detran, para provar que meu nome está abreviado no Sistema (se o seu não estiver, não se preocupe com isso. Se estiver, leia atentamente esta crônica). O exame estava marcado para as 15h no Intercap, onde foi meu exame anterior, existem mais uns dois lugares onde os testes podem ser aplicados, escolhidos uns dois dias antes por sorteio. São todos bem parecidos: uma pracinha mal cuidada, cercada por ruazinhas estreitas e igualmente mal cuidadas (geralmente de mão dupla), com paralelepípedos irritantes.

Havia outra auto-escola terminando seus exames, a nossa levou seus cinco carros e cerca de 48 alunos (segundo informações extra-oficiais) que, como eu, marcaram o exame com bastante antecedência. Para nossa surpresa, havia apenas três examinadores para avaliar os testes, um deles parecia legal e nos fez uma preleção sobre a importância de mantermos o emocional sob controle, porque “quem reprova o aluno é o próprio aluno, não o examinador” e porque “o exame é simples e só é cobrado o que vocês já sabem fazer”, deixou bem claro também que eles não estavam ali para prejudicar ninguém, que eram nossos amigos e só faltou pedir para que nós os levássemos ao nosso líder.

O exame só começou às 16h30, uma hora e meia após o combinado, provavelmente pela quantidade ínfima de examinadores e a lentidão de todo o processo. Sim, o exame é rápido, os examinadores, não. Percebi uma certa movimentação por volta das 17 horas, quando fui chamada, já preocupada com o horário, pois não me encantava a idéia de fazer baliza no escuro. O Claudio estava chateado, tentando argumentar com o examinador, o indivíduo encrencou com o meu cadastro e não queria me deixar fazer a prova.

Eu não acho, mas dizem que meu nome é imenso, talvez seja verdade, pois nunca cabe em nenhum campo de formulário, o destinado a “nome” do cadastro do Detran não tinha espaço suficiente para escrever, por extenso, Vanessa Stella Rodrigues Santana de Resende Lampert. A única saída, óbvia, foi abreviar. Desde a auto-escola anterior, em 2005, sou identificada no sistema do Detran como Vanessa Stella Rodrigues S. de R. Lampert. Assim fiz e passei no primeiro exame teórico, mas no segundo exame teórico, neste ano, tive de voltar à auto-escola para pedir um email do Detran autorizando a abreviatura. Um ridículo “documento”, apenas um email comum impresso.

Quem mandou o Detran não ter espaço suficiente no campo “nome”? Provavelmente fui eu, pois estou sendo punida por isso até hoje. Devo, em um de meus ataques de sonambulismo, ter encurtado a lacuna, de alguma forma. Achei que não me incomodaria mais com esse problema, na prova prática do dia 9, o examinador inclusive perguntou o que significava o S e o R que estavam abreviados e comparou com a identidade. Porém, não tive a mesma sorte com o de ontem; após um diálogo surreal, sua última tentativa de se esquivar da obrigação de oferecer um argumento lógico e inteligente que justificasse aquela proibição ridícula, foi apelar para o “a regra é essa e ponto”, com um tom arrogante e inflexível, que eu ouço como “somos todos robôs e é proibido raciocinar”.

– Por que não pode aceitar meu histórico, que tem todos os meus dados?

– Esse papel não vale, está escrito que não tem efeito legal, eu preciso de uma autorização do Detran.

– Mas o histórico é muito mais seguro, e tem mais valor do que um email impresso, se o histórico não tem efeito legal, o email não tem efeito nenhum.

– Não posso porque a regra é assim, a norma é essa, não posso fazer nada contra a norma.

– Sim, mas dá para raciocinar em cima da norma. – Eu disse, porque era óbvio que ele não estava fazendo nada errado, ou eu não estaria em meu segundo teste prático. Ele não ficou feliz com meu comentário:

– Eu sei raciocinar, mas sou funcionário!

– Ah, tá, então funcionário não pode pensar? É proibido?

Claro, para dizer isso eu já sabia da impossibilidade de ele dar o braço a torcer. O Claudio estava com dor de cabeça de tanto stress pela dificuldade de conseguir um prosseguimento de raciocínio da criatura. Lembrem-se que o Claudio é um instrutor calmo e paciente, mas se esforçar para fazer com que alguém entenda algo que não quer entender, esgota qualquer um.

Ligamos para a auto-escola, ao menos para avisar que o histórico não tinha feito nem cócegas na burrocracia. Para a minha surpresa, ao saber da confusão, um dos donos da auto-escola reimprimiu o tal email do Detran e foi até o Intercap. Pelo celular, brigou com os responsáveis pelo exame, reclamando da falta de respeito de marcarem teste para dezenas de alunos, disponibilizarem apenas três examinadores, começarem com uma hora e meia de atraso, e ainda criarem problemas.

Quando me liberaram para fazer a prova já estava escuro e eu preferi deixar para a próxima quarta, até porque, estranhamente, o tal examinador com quem discuti, estava reprovando à granel, provavelmente para se auto-afirmar depois daquela palhaçada toda, demonstrando seu pseudo-poder. Até agora não entendi por que raios essa autorização para abreviar os sobrenomes excedentes já não consta em meu cadastro no sistema. Ela deveria vir impressa na etiqueta em que o Detran autoriza meu exame. Já que é tão difícil assim aumentar o campo destinado ao nome, deveriam pelo menos grudar a informação em algum lugar para que eu não precisasse pagar ad infinitum por um erro que não foi meu.

Eu já estava xingando o Detran quando descobri que ele não é mais o responsável pelos exames teóricos e práticos, desde 1998 esse serviço é terceirizado. No site do Detran consta que os exames são aplicados pela Fatec, mas soube que há bem pouco tempo é outra fundação que tem feito esse trabalho, só não consegui descobrir ainda qual.

Depois, algumas dúvidas povoaram minha mente. As taxas que pagamos supostamente ao Detran, na verdade são recolhidas por essas fundações. Peço licença para perguntar, cá entre nós, o que elas fazem com o dinheiro? São R$40,24 pelo exame teórico e R$ 69,90 pelo exame prático, por aluno. Em Porto Alegre, segundo o site do Detran, existem 36 auto-escolas, todas abarrotadas de alunos, cada um deles paga essas taxas obrigatoriamente, calcule, por cima, o valor arrecadado.

O dinheiro não é reinvestido em nada que possamos ver ou nenhum serviço de qualidade que possamos identificar, nem uma área isolada para o exame prático eles são capazes de oferecer, um local fechado onde seja possível fazer baliza sem correr o risco de ser atropelado pelos carros alucinados da vizinhança, com iluminação e segurança suficientes, bancos para que os alunos possam aguardar sentados e protegidos da chuva, do sol forte ou do frio, uma lanchonete para que não morram de sede e fome e onde tenham um sanitário à disposição, ou seja, uma estrutura mínima para que sejam dadas condições decentes e justas de aplicação do exame prático.

Ficamos lá, das três da tarde às sete da noite, esperando em pé, congelando, com sede, fome e vontade de fazer xixi. Por volta das cinco e quarenta, o sol se pôs e ficamos no escuro, com a iluminação ridícula das ruas e inexistente da praça, em um local sabidamente perigoso…deveríamos, em vez de pagar taxa para a FATEC (ou quem quer que seja), receber um adicional de insalubridade. Às sete da noite, quando saí de lá, ainda havia uma porção de gente para fazer o teste e chegaram “reforços”: um examinador a mais. Pouco depois, os instrutores, preocupados com a segurança dos alunos, resolveram encerrar, eles mesmos, o exame.

Esperamos que na próxima quarta a tal fundação tenha, pelo menos, a dignidade de marcar o exame para as 13 horas, como costumava ser. E mande no mínimo um examinador para cada carro. É muito fácil trabalhar assim, arrecadam, não investem, não se esforçam, apresentam um trabalho amador, de qualquer jeito, e depois, o órgão que contratou o serviço é que recebe os xingamentos. Ao que eu saiba, fundações não visam lucro, auferem lucro, mas não visam…eu acreditaria nisso se cobrassem, pelo parco serviço que oferecem, o que ele realmente vale, uma taxa simbólica de – superfaturemos – cinco Reais. Ainda assim, convenhamos, sobraria dinheiro para investir.

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