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Antes de dormir

Vamos hoje para um romance de entretenimento que me espantou um pouquinho. Eu já falei aqui que sou atraída por histórias de amnésias, não? Mas depois de “Para sempre”, achei que ninguém traria mais nada de novo. “Antes de dormir” (S.J.Watson, editora Record) me pegou primeiro pela capa (coisa séria, né? Pessoa indo pelas aparências), mas depois olhei a sinopse e já não sabia se gostava porque era história de amnésia ou se não gostava porque achava que amnésia já tinha dado o que tinha que dar.

E o comentário na capa do livro “Simplesmente o melhor romance de estreia que já li” não quer dizer muita coisa, convenhamos. Quantos romances de estreia essa pessoa leu? Sem esse dado, eu não posso avaliar. Se ela leu quinhentos romances de estreia, o livro podia ser realmente bom, mas e se leu dois? Ou um? Sem contar que isso me soa como aquelas resenhas de produtos que dizem que “é muito bom pelo preço”, quer dizer que pode ser uma bela de uma porcaria, mas se for barato, está perdoado. Como era o romance de estreia do cara, poderia ser ruim que não teria problema. Seria isso?

Comecei a ler sem expectativa alguma. Christine se assusta ao acordar ao lado de um estranho, sem entender por que não se lembra de como chegou àquele quarto. Ao entrar no banheiro, se apavora com as fotos coladas no espelho e com o reflexo de seu rosto envelhecido. Já está com mais de quarenta, mas sua mente parou nos vinte e poucos, quando sofreu o acidente, há 27 anos. Assim começa a história. O único apoio dessa confusa mulher é o marido, Ben. Ele é um amor, super cuidadoso, resignado, e você simpatiza com ele de cara, poxa vida, o homem passou quase trinta anos cuidando da mulher amnésica, cumprindo a mesma rotina exaustiva todos os dias. A primeira impressão que tive dele foi de um homem cuidadoso, amoroso, mas já cansado de lutar.

Me coloquei no lugar dele e admirei seu sacrifício pela esposa. Mas quando Ben sai para trabalhar, um telefonema começa a bagunçar as coisas. (Não vou dar nenhum spoiler que já não esteja na sinopse ou na orelha, não se preocupe.) O estranho se apresenta como médico e diz que eles têm se encontrado sem que Ben saiba e que ela tem escrito um diário, como parte do tratamento. Quando o encontra e começa a ler seus dias anteriores, descobre que Ben esconde informações e a trama se complica.

É um romance de suspense, amigos! Quem diria! E um suspense inteligente, bem feito. A trama é bem emaranhada. Geralmente eu adivinho o final das coisas…rs…tenho um raciocínio lógico muito bom, então desvendo os mistérios dos livros com certa facilidade, mas esse não foi fácil, não. No ponto crucial, quando o nó começa a se desfazer, eu tive que me perguntar: “caramba, como não pensei nisso?” E eu não pensei nisso! Sério, mesmo. Deve ser um bom exercicio para o cérebro, porque você fica tentando descobrir como encaixar aquelas peças e descobrir o que aconteceu com Christine e se realmente tem alguma coisa de errado na história toda ou é coisa da cabeça dela. Deve ser algo como montar um quebra-cabeças de milhões de pecinhas, só que mais divertido.

Fora uma ou outra cena desnecessária, o ritmo é ágil e agradável, principalmente do meio para o final e eu me peguei pensando sobre as escolhas que a gente faz na vida e suas consequências. E também na importância de estar bem consciente do que se vive. Não foi “o melhor romance de estreia que eu já li”, mas S.J. Watson conseguiu fazer o impensável: inovar em uma história de romance de amnésia (gostou da nova classificação? “Romance de amnésia”). Só isso já valeria a leitura.

Vanessa Lampert

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Originalmente postado no Blog Cristiane Cardoso. Clique aqui para ver a postagem original.

O melhor de mim*

Li este livro por indicação de uma amiga, ela gostou muito e queria saber minha opinião. Achei importante escrever esta resenha porque 99% das opiniões que li a respeito deste livro diziam a mesma coisa: o contrario do que eu achei.

Primeiro, todo mundo disse que se emocionou com o livro, que se debulhou em lágrimas… não tenho tanta facilidade assim para chorar. E me pergunto: o que leva alguém a gostar de um livro que lhe faz chorar convulsivamente? Uma lagriminha aqui outra ali, a gente até entende, mas eis algo que você não deve exercitar em sua vida: o sentimentalismo extremo. Prefira livros que não dependam 100% do seu coração para viver…podem até te emocionar, dentro dos limites da normalidade, mas não devem ser escritos com o único objetivo de arrancar lágrimas do leitor, como parece ser o caso de “O melhor de mim” (The best of me), de Nicholas Sparks, Editora Arqueiro. (Alguns spoilers na resenha, mas nada que mate sua leitura.)

Quando contei a história do livro para o meu marido, ele arregalou os olhos e disse “Credo, que cara azarado!” – referindo-se a Dawson, o pobre protagonista. Uma ou outra desgraça é normal, mas uma sequência infinita de desgraças faz do livro uma novela mexicana difícil de engolir. Muitos clichês, personagens estereotipados, narrativa fraca, a história previsível do começo ao fim e um final que me fez revirar os olhos e dizer: “Sério que você vai terminar assim, Nicholas?” Eu já tinha adivinhado o final pouco depois da metade do livro.

Li recentemente um livro mais antigo desse autor, “Diário de uma paixão”, e o declínio é visível. “Diário” tem uma trama sólida, a historia parece ter um objetivo e você entende a evolução do relacionamento do casal de protagonistas.  Já com Dawson e Amanda você não vê essa evolução. Os dois se apaixonam na adolescência e vivem um namoro proibido, pois ela é de uma família tradicional e ele é o rapaz bonzinho que nasceu em uma família de criminosos e sofre preconceito na cidade por seu sobrenome. Acabam terminando o relacionamento porque ele não quer atrapalhar a vida da moça. Ela vai para a faculdade, onde conhece Frank e se casa.

Dawson acaba preso por atropelar acidentalmente o único médico da cidade (drama + drama). Depois de cumprir pena, o rapaz vai morar sozinho e trabalhar em uma plataforma de petróleo, que acaba explodindo (o que não faz a menor diferença na história, é só para marcar o momento em que Dawson começa a ver um vulto –  sessão do descarrego nele! – e acrescentar drama).

A narrativa é mais contada do que mostrada (é a diferença entre ouvir alguém contar uma história e participar dela). Pouco esforço em envolver o leitor na cena faz com que ele sinta a solidão de Dawson, ao ser colocado para escanteio pelo autor. Infelizmente, não foi proposital, não se trata de estratégia literária.

Dawson e Amanda se reencontram quando um grande amigo dos dois morre. Então você vê o-que-não-é-amor aflorando imediatamente. Amanda está casada com Frank, um alcoólatra, com quem tem três filhos (tiveram quatro, mas uma morreu de câncer no cérebro ainda muito pequena…novela mexicana mode on). O casamento está em crise e ela revê seu namorado de adolescência. O livro passa aquela ideia falsa do amor-sentimento, que nasce e cresce sozinho…também passa a ideia de que Dawson e Amanda foram “feitos um para o outro”  e que ele é seu “verdadeiro amor”.

Você não pode amar alguém que você não conhece, isso não é amor. Como Amanda pode “amar” um cara que ela mal conhece? Mesmo que algum dia realmente tenha amado Dawson, depois de 20 anos ele não é mais o homem que ela conheceu. E vice-versa.  O mundo está acostumado a ver o amor desta maneira e por isso há tanta gente frustrada sentimentalmente. Mas ok, isso é ficção, e se o livro fosse bom talvez nem me importaria tanto.

Me perguntaram se “O melhor de mim” seria classificado como “literatura fast-food”. Eu diria que ele está mais para fast food com alucinógenos. Talvez uns cogumelos suspeitos tenham substituído o champignon. Porque se você se envolver com o livro, pode se pegar fazendo coisas que jamais faria na vida real, por exemplo, torcendo para que Amanda traia o marido, abandone a família e fique com um homem que lhe é completamente desconhecido.

Mesmo que isso não faça a menor diferença para mim ou para você, eu não consigo deixar de pensar que esse é o tipo de romance que se une às novelas e aos filmes de Hollywood para reforçar a imagem equivocada do amor, alimentando fantasias inúteis na cabeça de muitas mulheres (principalmente). Sem contar o fato de exercitar o sentimentalismo exacerbado ao trazer lágrimas sem o menor propósito.

Li em algumas resenhas a respeito do caráter de Dawson…ele não guarda ressentimentos, mesmo passando por terríveis injustiças…realmente, é o personagem mais interessante da trama…se não for o único. Mesmo assim, também não foi bem construído e não é suficiente para sustentar o livro.

O que esse livro traz, no final? Nada. Nenhum conteúdo verdadeiro, nada a acrescentar de realmente bom.  A menos que você tenha conseguido se emocionar e ache que isso é positivo em algum aspecto.

PS: No final do livro tem a propaganda de “O Casamento” (The Wedding), de Nicholas Sparks, que ainda não li, mas fiquei curiosa para ler. Não pensem que Nicholas Sparks é o pior escritor do universo, não é, ele sabe escrever. O problema é que quando um escritor faz um livro com o único objetivo de mexer com os sentimentos do leitor, corre o risco de errar a mão. Não conheço todo o trabalho desse autor, mas espero que esse tipo de coisa seja exceção.

Vanessa Lampert

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* Resenha originalmente publicada em:http://www.cristianecardoso.com/pt/portfolio/livros/