Horário de almoço, resolvi dar uma volta na região, antes do almoço propriamente dito. A chuva caía, discreta, como somente Porto Alegre sabe chover. Saquei a pequena sombrinha da bolsa e fui, charmosamente, subindo as lindas ruas do Moinhos de Vento. Não vi moinho algum, mas o vento me pegou a uma quadra e meia dali. Virou minha sombrinha do avesso, amassou, mastigou e cuspiu fora. Olhei e havia duas opções: rir ou chorar. Escolhi rir. As hastes quebradas, retorcidas, descolaram do tecido. Toda a estrutura desmoronara. Não houve outro destino possível, ela teve de ir para o lixo. Eu gostava dela, mas não pude fazer nada, nem curtir o luto, devido à situação periclitante. Felizmente consegui abrigo sob os guarda-sóis de um pub (porque nos outros bairros tem barzinho, mas o Moinhos tem Pub. Bairro chique é outra coisa).

Fiquei lá, parada, vendo a chuva chover, até que, como um enviado divino, um vendedor de guarda-chuvas, magro e moreno, surgiu oferecendo guarda-chuvas superfaturados. Em dias secos, eles custam dez Reais, mas em plena chuva, não menos de vinte. Fazer o quê? Lá se foi meu almoço, mas troquei vinte pila por um guarda-chuva grande, que o cara jurou que não se desmontava. Ok, saí toda feliz, armada com um novo guarda-chuva, de xadrez azul, bonitinho. Meia quadra abaixo, uma nova rajada de vento ensandecida veio por baixo do dito-cujo e virou as hastes e a tela do avesso. As hastezinhas sem-vergonha entortaram feio e somente aí eu percebi a péssima qualidade da coisa.

Todo um novo mundo se abriu para mim quando meu guarda-chuva virou do avesso. Os guarda-chuvas não são todos iguais. O tempo parou por um instante, vi as pessoinhas congeladas, e em seguida, em slow-motion, com seus guarda-chuvas e sombrinhas bem firmes, abertos, enquanto o meu dançava para lá e para cá, entortando-se a seu bel-prazer. Pensei: “onde raios essas pessoas compram seus guarda-chuvas? Como eles serão por dentro?”. Os guarda-chuvas não são todos iguais. O rapaz vendedor dos guarda-chuvas made in Ferno (certamente ele era enviado de uma entidade nada divina) passou novamente. Eu mostrei a ele o que havia acontecido e ele, cara-duramente disse que nada poderia fazer e ainda me advertiu que eu deveria cuidar melhor do produto…hahahaha…eu disse: “com certeza, da próxima vez não sairei com ele na chuva, para não estragar”.

Os danos foram irreversíveis. Duas hastes entortaram-se como os talheres de Uri Geller. O mais interessante é que eu ficava parada, esperando o vento cessar. Nada de vento. Caminhava. O vento aparecia, subitamente. Se eu parasse, ele parava também. Ele me perseguia. Ou eu era o vento. Resultado: fiquei sem almoço e cheguei na imobiliária encharcada como se tivesse tomado um banho na rua. Feliz – porque eu sou uma pessoa feliz – pela oportunidade de encarar uma situação extrema, na qual é praticamente impossível encontrar um lado bom. Eu sempre encontro. Encontrei vários. Alguns foram arrastados pelo vento, mas eu os encontrei, não importa. E fiquei feliz por não ter feito uma escova ontem, ou teria perdido sessenta Reais ao invés de vinte.

Entrei na imobiliária e foi impossível não atrair nenhuma atenção, com aquela cara de mergulhada. Anunciei o que acontecera para todo o prédio, e ninguém perguntou mais. Fiz aquela cara de alienígena, que faz com que ninguém mais me pergunte nada, mesmo, e sentei à mesa para escrever este texto. Pensando, ainda, o que as rajadas de vento têm contra a minha pessoa. Ou qual é a conexão que as rajadas de vento têm comigo. Por que o vento se move quando me movo? E onde as pessoas compram bons guarda-chuvas? Uma tempestade maluca de repente altera todas as prioridades do seu dia.

6 Comments on Vento do Moinhos

  1. Oi Vanessa, já visitei varias vezes o seu outro blog Autor Desconhecido.Gosto muito da iniciativa.De lá pulei pra cá e me encantei com seu texto.Ele flui facilmente, linguagem coloquial e um humor sarcastico, que eu gosto muito.Parabéns.

    • Oi, Lufe! Que coisa boa ler seu comentário, muito obrigada! É muito bom saber que você gostou da leitura, isso também é um incentivo para que eu continue a atualizar este espaço. Não desapareça!

      Grande abraço!

  2. Oi Vanessa,
    Estava a tantas hoje procurando alguma coisa na internet e encontrei você… Um site levou a outro e outro, até que cheguei aqui. Me identifiquei demais com o que escreves e pelo que entendi já estás nessa de blog há oito anos… É uma bela caminhada!
    Meus parabéns, sua mais nova leitora: Andresa.

    • Andresa, seja bem-vinda! Fico feliz por você ter gostado do que encontrou por aqui. Sim, estou nessa de blog desde 2002, já tive vários e tenho rastros espalhados pela web. Uma porção de coisas que eu até já deveria ter deletado, porque muito nem tem mais a ver comigo, mas eu não consigo apagar nada. Acho que tudo é registro histórico e só desaparece aquilo que o próprio servidor resolve apagar. Muito obrigada por ter deixado seu recado e apareça sempre que quiser!

      Beijos!

    • Me aguarde, me aguarde, que este ano eu desencalho…risos…eu não tinha me esforçado para nada, pense bem. Três anos de inércia absoluta e relativa. Agora coloquei na cabeça que vou dominar o mundo e já era. 🙂

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