Categoria: mídia

Suicídio glamourizado

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*Imagem retirada de um email marketing que tive o desprazer de receber da Editora Caras e mais desprazer ainda de clicar sem querer sobre ele.

Eu não sei por onde começar esse texto. Então talvez o começo apareça no meio, o meio no começo ou eu comece pelo final, mas preciso escrever a respeito ou não conseguirei dormir. Peço desculpas prévias, pois misturarei assuntos aqui, já que não posso comentar o absurdo da Caras sem falar sobre suicídio e sobre a própria história que gerou a notícia. Não vou citar datas, nem colocar links, pois vocês todos conhecem  notícia que irei comentar. A modelo/atriz/escritora Cibele Dorsa morreu após atirar-se da janela de seu apartamento, a mesma janela da qual seu noivo Gilberto Scarpa se jogou em janeiro deste ano.

Segundo Cibele, Gilberto era dependente de cocaína e havia tido uma crise violenta no dia do suicídio, eles discutiram e ele se jogou pela janela, na frente dela. Ela desceu e o viu morrer. Depois disso teve um breve acompanhamento por psiquiatra, o ex-marido Doda Miranda contratou um serviço de home care para garantir a saúde física e mental da moça. Depois que ela já se dizia recuperada, e parecia realmente recuperada, entrou em uma crise de saudade, alimentou os piores sentimentos (acreditando que era amor) e culminou por atirar-se pela janela.

Até aí, mais uma tragédia de alguém que fez a pior escolha que se pode fazer nesta vida. O meu problema começa quando a imprensa passa a glamourizar o suicídio e explorar a tragédia pessoal de Cibele, para garantir a atenção de seus leitores/telespectadores. O teatro do absurdo começa com a própria Cibele enviando sua carta de suicídio por email para a Revista Caras, e deixando uma mensagem de despedida no twitter algumas horas antes de efetivamente se matar. Não vou enveredar aqui pela questão de que alguém poderia tê-la impedido, telefonado, ido até lá, avisado à polícia. Não vou imaginar que havia um jornalista online naquele momento, que leu a carta de suicídio e ficou esperando que a notícia se consumasse para publicar o email em primeira mão. Não existem pessoas assim.

Cibele obviamente havia ingerido medicamentos, pois estava escrevendo com caracteres trocados…logo, além de estar obviamente perturbada (ninguém que esteja bem de cabeça envia sua carta de suicídio a uma revista em vez de enviar à família…) não tinha real consciência do que estava fazendo, nem do que estava escrevendo. O mais ético, não apenas como jornalista, mas como ser humano, era entregar a carta à família e desfazer-se do material, ou publicar apenas um trecho direcionado aos fãs e imprensa – se houvesse esse trecho. Pelo contrário, Caras não só publicou a carta como o fez em capítulos, para aguçar a curiosidade dos comovidos e também dos sádicos de plantão.

Extrapolou-se todos os limites da ética humana…a moça fragilizada e em estado alterado de consciência escreveu o que talvez não escreveria em sã consciência, e a revista publicou, em capítulos, com a frieza com que se publica uma obra de ficção, distorcendo a realidade para enquadrá-la em um enredo que só existe nas páginas da revista.

Citado na carta e, consequentemente, no site e na revista, um determinado ser humano entrou na justiça para impedir a publicação do email. A justiça determinou que não fosse publicado e que os trechos da carta fossem retirados do site…a revista obedeceu, porque tinha de obedecer, mas se fez de vítima e ofendida ao explicar aos leitores!!! Comparando a ordem judicial à ditadura e se dizendo tolhida em sua “liberdade de expressão”.

É o fim da picada!!! Será que só eu enxergo o absurdo da indignação de Caras? Será que só eu vejo o quão ultrajante é publicar a carta de suicídio de alguém? E o quão perigoso é romantizar um suicídio, dizendo que a moça “morreu de amor”? Não morreu de amor coisa nenhuma, ela foi enganada por seus sentimentos, e não conseguiu pedir ajuda, não soube lidar com a morte do namorado (que também se matou em um momento em que não tinha condições de julgar o que estava fazendo) e acabou dando ouvidos às piores vozes que alguém pode ouvir. Sempre digo que o suicídio é uma solução definitiva para um problema temporário…e todo o problema é temporário.

Caras chega ao cúmulo de comparar a decisão da justiça de RESGUARDAR o nome de alguém que não deseja ser citado, até porque a carta não foi escrita por uma pessoa em seu juízo perfeito, com a censura militar!!! É uma afronta à história do Brasil! E lá vai, mais uma vez, a imprensa brasileira, ou melhor, o lado mais torpe da imprensa brasileira, distorcer a “liberdade de expressão”, acreditando que “liberdade de expressão” é atropelar a liberdade dos outros, os direitos dos outros, para vender mais revistas e espaços publicitários.

Outro ponto é que a maneira de Caras abordar o drama é potencialmente perigosa. Gilberto Scarpa entrou em uma paranóia de que sem ele ela seria mais feliz, poderia crescer, conhecer pessoas interessantes e ter uma vida que não teria com um dependente químico. Ele seria a última pessoa no mundo a querer que ela desse fim a sua vida! Quem que realmente ame quer a morte da pessoa amada? Infelizmente ele errou em seu julgamento, ela preferia continuar com ele, lutando até vê-lo bem…ele ouviu as mesmas vozes que ela ouviu, e elas os levaram a um caminho sem volta.

Caras propaga essas vozes enfeitadas com laços e coraçõezinhos, e não duvidem que muitas pessoas que estão lutando para superar a dor de uma perda, muitas vezes semelhante à de Cibele, possam sentir-se seduzidas por essas terríveis e enganosas vozes o vê-las na revista, suaves e tentadoras, oferecendo uma saída aparentemente bonita, um escape, uma fuga que parece tão possível… “Deus perdoa a quem morre por amor”, escreveu Cibele, que tirou isso não sei de onde…provavelmente dessas vozes inaudíveis que falam ao coração, em primeira pessoa, para você pensar que o pensamento é genuinamente seu. A voz da depressão, a voz do desespero, a voz do medo, a voz da dúvida.

Eu, particularmente, fiquei muito triste porque não tinha ninguém para ajudar essa moça quando ela precisou. Não culpo a família, nem os amigos, como eles poderiam saber que ela precisava de ajuda? Se ela dizia que estava bem, que estava se recuperando? Você repara naqueles que estão ao seu redor, imaginando que podem se matar a qualquer momento? Ou você pensa: “não, peraí, fulana tem filhos, sabe que seria um trauma deixá-los assim…sabe que o filho pensaria que ele teve alguma responsabilidade, que não foi bom o suficiente, que não foi motivo suficiente para a mãe viver…” ou “não, fulano tem uma carreira, está cheio de projetos, tem planos…”  Mas as vozes…ah, as vozes…elas ludibriam através dos sentimentos e te convencem de que ao pensar em suicídio é que você encontra a verdadeira paz.

Esses diálogos são internos, bem escondidos, ocorrem com eco, dentro do vazio da alma da pessoa. Passei por isso em uma época remota de minha vida, felizmente eu tive quem me ajudasse, felizmente eu encontrei uma saída, felizmente consegui preencher o tal vazio para que não caibam nele mais vozes que me faziam acreditar que eram meus pensamentos. Os meus pensamentos agora estão onde devem estar: na cabeça. Mas confesso que me doeu ver a história dessa moça terminar assim…como me doeria a historia de qualquer pessoa terminar assim.

Morre por amor quem se sacrifica por aquele a quem ama. Aquele que, sem querer sofrer, sofre para evitar que você precise sofrer. Aquele que, sem querer morrer, morre para evitar que você precise morrer. Jesus fez isso, isso foi morrer por amor. Morrer de amor ninguém morre, porque amor não é doença. Cibele não morreu por amor, a depressão a enganou e a fez acreditar que não haveria outra saída. Pior – a fez acreditar que a morte seria uma saída. Infelizmente, foi uma tragédia lamentável, e o fim da moça e a dor da família deveriam ser respeitados pela imprensa…eles são as vítimas, e não a ridícula revista sensacionalista.


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Segue o texto dramático, apelativo e ridículo publicado no site da Caras (que eu tenho o desprazer de receber no meu email…essas editoras acham que meu email é penico):

“Por ordem judicial, a Revista CARAS e seu site foram vetados de continuar a divulgar todos os termos da exclusiva cobertura sobre a morte da atriz e escritora Cibele Dorsa, aos 36 anos, após cair do 7º andar de seu prédio, em São Paulo.

O site, o único a receber as mensagens de Cibele minutos antes de seu trágico final, teve de retirar todas elas do ar, na íntegra, na manhã desta terça-feira, dia 29. A edição impressa da revista, que chega às bancas nesta quarta-feira, está com tarjas pretas, como na época da censura militar, pelo fato de que o material já estava em processo de impressão quando o mandado judicial chegou à editora, pedindo que o nome de certa pessoa à que a atriz se referiu em suas mensagens não fosse mencionado.

Por conta disso, CARAS Online, que semanalmente publica em sua versão na internet o conteúdo da revista impressa de acesso livre e gratuito, não pode reproduzir a matéria de capa da revista, “Cibele Dorsa, 36 anos – A atriz que morreu por amor”, que faz um balanço da vida de tragédias pessoais e da morte, por amor, daquela que era chamada carinhosamente de “a Cindy Crawford brasileira”.

Informamos que a EDITORA CARAS, por acreditar na plena liberdade de expressão contida na Constituição Federal desse país, e em respeito a seus leitores e internautas, perseguirá a liberação dos textos e nome que foi obrigada a retirar e impedida na sua edição impressa de mencionar, apresentando os recursos cabíveis.”

Caras, quer um conselho? Para que a emenda não fique pior do que o soneto, não “persiga a liberação dos textos e nome” como se estivesse lutando por um bem maior, liberdade de expressão etc. e tal…melhor voltar aos faqueiros e castelos e esquecer o mico de ter igualado uma fofoca post-mortem ao jornalismo verdadeiro perseguido pela ditadura militar.

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PS: Só eu acho ridículo o texto forçadamente rebuscado de Caras, que faz qualquer matéria parecer trecho de romance de banca de jornal? Copio a frase que aparece no site da revista acima do texto que colei aqui:

“Desalentada, ela salta no vazio na esperança de reencontrar o amado”

Me diz, só eu me revolto com esse tipo de coisa?

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Amy

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A cantora inglesa Amy Winehouse esteve no Brasil e fez a alegria da mídia grotesca de fofoca brasileira. Alguns repórteres são piores que os outros, mas os sites que têm espaço para comentários escancaram o que há de pior nos seres humanos. Amy é uma moça de 27 anos muito talentosa e que, infelizmente, teve um relacionamento conturbado com um rapaz que a levou ao mundo das drogas. Isso acontece o tempo todo, mas como Amy é uma figura pública, os holofotes a transformaram em uma criatura bizarra.

Não, ela não é uma criatura bizarra. Ela é uma moça bonita que fez escolhas erradas e que está presa em uma situação da qual poucas pessoas conseguem sair sem apoio. Ninguém gosta de viver assim. Ninguém gosta de ficar feia, ninguém gosta de ser vista como suja, ninguém gosta de ser alvo de piadas, de desprezo. Eu olho para Amy Winehouse e vejo uma menina que precisa ser ajudada, desesperadamente. Olho para ela e vejo uma pessoa que está sofrendo, mesmo – e principalmente – quando ela é agressiva. Antes de se envolver com drogas ela era uma pessoa, depois, parece outra, e não falo apenas de aparência.

É triste, é muito triste. E não apenas triste, é revoltante. Revoltante ver como a mídia pratica um bullying (sim, é essa a palavra) em nome do que vende: fofoca e maledicência travestida de notícia. E daí que a moça tropeçou quando estava bêbada? O que você tem com a vida dela? Qual o direito você tem de rir dela? Ou mesmo de fazer considerações a respeito de sua vida pessoal? Só porque ela é famosa? Qual a diversão mórbida em vê-la embriagada dentro de um carro?  Tirar fotos, fazer vídeos, rir dela e depois escrever coisas do tipo: “Será que eu sou a unica pessoa que tem nojo dessa criatura cretina?” ou “Não entendo essa rebuliço por essa coisa desprezível, pois não interessa se ela teve um dia talento, não se deveria dar atenção ao ser humano nojento que ela é!”  Juro que li isso, e você não tem ideia do quanto tive que me esforçar para não ter nojo do ser que escreveu essas palavras, e não julgá-lo desprezível.

Tive pena. É, pena. Porque alguém que não consegue olhar para Amy Winehouse e ver um ser humano digno de respeito, não pode sequer esperar que Deus o veja como alguém digno de atenção.A maior razão por que a Bíblia nos exorta a não julgar o próximo é que se Deus, sendo perfeito, releva nossas imperfeições para que nos aproximemos dele, como nós podemos não relevar as imperfeições de nossos semelhantes? Se os desprezarmos, seremos nós mesmos dignos de desprezo, pois todos somos iguais. Seus erros não são menores do que os dela, meus erros não são mais “limpinhos” só porque eu não fumo, nem tomo bebida alcoólica nenhuma. Isso, aliás, independe de você ter ou não alguma religião, é algo de caráter. Religião muitas vezes faz com que a pessoa tenha a falsa sensação de que é melhor do que a outra e que, por isso, tem liberdade para apontar quantos dedos quiser.

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Torço pela Amy Winehouse. Não sou fã, nunca fui, gosto muito da batida de Rehab, por exemplo, e da voz da Amy nessa música, mas sou literal demais e não consigo desconectar melodia e letra, eu ouço música prestando atenção na letra, e Rehab para mim é uma declaração triste e preocupante e não consigo “curtir” nem a “Vibe” rebelde da coisa, pois não é ficção. Ver aquela moça bonita no clip e lembrar de como ela ficou me impede de gostar, sinceramente.

Torço para que Amy se recupere, pois quero ver novamente aquela moça bonita e preocupada em fazer algo pela criação musical e que, infelizmente, não tinha estrutura emocional para aguentar o ritmo alucinado da fama, e estava ao lado de uma pessoa tão perturbada que só a ajudou a se afundar.

Lembro do que a mídia fez com Michael Jackson, que por ter deformado seu rosto com plásticas passou a ser visto como um ser não-humano, e tratado como tal. Ninguém estava minimamente preocupado se o que era dito o magoaria, se o feriria, como se ele não tivesse sentimento algum, ou como se fosse um “ser desprezível”. O ódio direcionado a ele, o desprezo que levava alguns a chamá-lo de “Freak” na capa de revistas, deveria ser proibido. Sério, mesmo. Eu não gostaria que fizessem isso comigo, nem com um filho meu, por que aceitar tanto ódio por alguém que não conheço, só porque é famoso? Como se ser famoso o deixasse menos humano, ou como se as pessoas tivessem tanta inveja da fama que desprezassem aquele que se mostrasse um pouco mais falho, um pouco mais…humano. É por essas e outras que eu digo que se realmente houver vida inteligente fora da Terra, se for realmente inteligente, certamente mantém distância segura deste planeta.

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Vanessa Lampert

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