Categoria: Se cair em um post profundo chame a equipe de resgate

Carta à Aline

Querida Aline,

Não nos vemos há cinco anos, e nem sei se nos reconheceríamos se nos encontrássemos hoje, mas como eu gostaria de receber notícias suas! Quando nos conhecemos, eu também queria ser alguém diferente, queria ser mais velha, estar com a vida estabilizada, queria, sinceramente, ter condições financeiras para te levar para casa e te dar oportunidade de ter um futuro melhor. Sim, eu vi em sua inteligência, em sua vivacidade, em seu raciocínio, seu senso de humor, sua sensibilidade, a filha que eu um dia gostaria de ter.

Hoje me deu saudade, Aline, ao reler a história de nosso encontro, e me apertou o coração pensar que você já tem quinze anos, é uma moça. Quem será a moça que você se tornou? Espero que não tenha perdido nada pelo caminho, que o mundo não tenha arrancado pedaços da menina que conheci. Pensei na vontade que eu tive de te ajudar de uma forma mais eficiente, puxa, eu me senti tão impotente naquele dia! Não consegui ficar feliz por ter apenas ajudado a matar a sua fome, mas me tranquilizei com a esperança de ter plantado em você uma boa semente, esperando que aquilo fizesse diferença, algum dia.

Eu quis tanto te ajudar, te pegar no colo e te levar para casa, mas não podia, pois não tinha condições, e mesmo se tivesse, não poderia simplesmente te arrancar de sua vida contra a sua vontade, ou te persuadir a vir comigo, pois assim eu seria responsável por uma escolha que deveria ter sido sua, eu seria injusta, por melhores que fossem minhas intenções. Eu poderia ter, como resultado, uma moça revoltada, que jogasse a responsabilidade de seus problemas e frustrações sobre mim, no futuro, e não uma mulher sensata, feliz e realizada, que reconhecesse o que fiz, me respeitasse por isso, fosse minha amiga, me ajudasse e tivesse sabedoria para ajudar outras pessoas. Na tentativa de te ajudar, eu poderia te tornar pior do que você poderia ser sem mim.

E se eu tivesse condições de te trazer para casa, sua mãe não aceitaria, pois precisava de você para pedir dinheiro na rua. E seus irmãos se revoltariam, querendo ter, também, o que eu queria te dar, mesmo eles não tendo a mesma sinceridade sua, a mesma pureza, a mesma alegria, a mesma fé que eu encontrei em você e que me motivou a querer te resgatar daquela vida. Como eu poderia aceitar ter em minha casa, convivendo comigo, pessoas que não tinham absolutamente nada a ver com meu modo de pensar? Como eles poderiam querer ser tratados como meus filhos, se estavam vivendo na marginalidade, na mentira, no roubo, e provavelmente até nas drogas? Você tinha tudo a ver comigo, como a gente se deu bem! Toda importante, você comentou das vitrines comigo, conversou sobre várias coisas, mostrou um raciocínio que poucas vezes vi até mesmo em adultos de bom nível social. Que vontade de te levar para casa, Aline! E que aperto no coração por não poder!

Se eu pudesse, Aline, se eu tivesse condições naquela época, eu te ofereceria a minha casa, e te diria que gostaria muito, sim, de ajudar a sua mãe, mas eu não podia, então você teria de vir comigo sozinha. E ainda se eu pudesse ajudar a sua mãe, Aline, só adiantaria se ela tivesse o mesmo pensamento que você, ou então, em pouco tempo, ela estaria novamente na mesma situação, e provavelmente me culpando por não ter dado certo. Mas se você aceitasse, Aline, e tivesse a confiança de me entregar seu futuro, fazendo tudo o que eu te orientasse e te explicasse, se você se aplicasse a entender meus pensamentos e tudo o que eu te ensinaria, se me ouvisse sempre com aqueles olhinhos atentos, sedentos de instrução, de sabedoria, como uma esponja que absorvesse minhas palavras e colocasse em prática o que havia aprendido…ah, Aline, você seria a pessoa mais feliz e bem-sucedida deste mundo, porque eu não me importaria em abrir mão da minha vida para ver você se tornar a pessoa que eu acredito que você poderia ser. E você poderia ser tudo o que quisesse!

Se você quisesse vir. Se você me ouvisse. E sabe, Aline, enquanto eu pensava essas coisas, e na alegria que eu sentiria em te ajudar a vencer, ainda que ninguém me visse, ainda que nem você me visse (desde que me desse ouvidos…risos…), ainda que eu me sacrificasse, esquecesse da minha vida para cuidar da sua, eu pude sentir o amor que uma mãe sente por um filho. Ainda que você não tenha nascido de mim, ainda que eu não tenha te criado desde bebê, eu pude te sentir minha filha, e entendi a entrega, entendi também como sofreria calada caso você me dissesse não, caso não quisesse vir, caso não entendesse ou achasse que eu deveria te ajudar ali mesmo, sem que você saísse da rua. Eu não poderia te trazer para casa e te fazer verdadeiramente minha filha, mas continuaria te amando em silêncio, e esperando que você um dia entendesse e viesse. E se eu pudesse fazer alguma coisa (sem você saber que era eu, claro) para que você abrisse os olhos e viesse antes que fosse tarde, ou pelo menos que entendesse direitinho o que estava perdendo, para tomar sua decisão de modo consciente…

E sabe, Aline, enquanto eu pensava nisso tudo, me imaginando ali, tendo condições de te ajudar, querendo te ajudar, sendo rejeitada e sofrendo a dor, em silêncio e em espera, te vendo sofrer sem necessidade, e quase te ouvindo me dizer que se eu fosse realmente uma boa pessoa eu te ajudaria mesmo você não estando em minha casa, vendo sua incapacidade de compreender que eu não queria te dar uma ajuda, eu queria transformar sua vida, vendo sua incapacidade de perceber que qualquer ajuda dada a quem não tem a orientação correta pode ser destrutiva, e te afastaria ainda mais de mim.  E eu pensava, Aline, que ainda que você aceitasse e viesse, mas não me ouvisse, e continuasse com um pé nas ruas de Canela e outro aqui, ou mesmo com os dois pés aqui, mas não me ouvisse, não quisesse escutar a minha voz, e ignorasse o fato de eu ter te tirado da morte certa, da escravidão das ruas, da escravidão da tristeza, em que você nem sabia que vivia, como se eu não fizesse mais do que minha obrigação em te ajudar, se você ignorasse todo o meu sacrifício, meu esforço e meu amor e quisesse viver a vida de acordo com a sua própria cabeça, eu, como mãe, teria de me resignar e voltar a esperar.

Mas eu sofreria, é claro, pois saberia o quanto poderia ter te dado, o quando eu até já tinha prometido, o quando eu poderia te ajudar. Se você não me ouvisse, não me atendesse, eu não teria o que fazer. Teimosa, você diria que sabe o que faz com a sua vida, que não precisa de meus conselhos. Então, se seus conselhos eram suficientes, pensei, vá em frente. Mas sabe, Aline, enquanto eu pensava em tudo isso, sentia um aperto no peito, sabendo que, puxa, não precisaria ser assim. Eu tinha tudo para te dar, era só ter me ouvido, seguido minha orientação e você poderia ir para onde quisesse, desde que continuasse a me ouvir. Eu te colocaria na melhor escola, e também te ensinaria muito em casa, sentaria contigo à mesa e falaria sobre uma porção de histórias, te mostraria livros, te ajudaria a entender as coisas, conversaríamos, eu jamais te deixaria sem resposta. Te ajudaria a escolher uma profissão, aprenderia sobre ela, até, para te ensinar. Você seria a melhor profissional de sua área, nunca te faltaria absolutamente nada, e eu te ensinaria tanto! Te ajudaria a construir uma auto-estima tão forte e a desenvolver sua inteligência de um jeito que você poderia conversar com qualquer pessoa sem jamais se sentir diminuída, você poderia fazer qualquer coisa, em qualquer lugar. Eu te apresentaria a várias pessoas importantes, te levaria em vários lugares legais, aonde você quisesse, te ajudaria a resolver seus problemas, eu daria as ferramentas para que você pudesse resolvê-los.  Eu tinha tudo para te dar, era só ter me ouvido, seguido minha orientação e você poderia ir para onde quisesse, desde que continuasse a me ouvir. Que pai que, tendo esse poder, não iria querer que seus filhos o seguissem? Eu não poderia exigir isso de um filho, porque ele estaria crescendo para se tornar uma pessoa do mesmo tamanho e com a mesma capacidade de qualquer pessoa.

No entanto, Aline, se eu fosse maior do que você, digamos, se o mundo fosse uma grande e plana folha de papel e todas as pessoas fossem desenhos simples e destacáveis, daqueles que não podem atravessar um risco vertical, pois bateriam na parede. Então eu veria tudo, Aline, seria maior do que você e poderia te orientar até o final de sua vida, pois seria maior do que você, para sempre. Depois te destacaria e traria para junto de mim, longe da folha de papel, para uma vida tridimensional. Ah, Aline, qualquer mãe, qualquer pai que sentisse por seu filho o que senti ao te imaginar comigo iria querer ser ouvido. Não por orgulho, não para sentir-se superior ou controlador, não, mas para garantir que o filho ficaria bem. Ah, Aline, se eu soubesse todas as coisas iria querer que você parasse, me ouvisse, aprendesse e praticasse o que aprendeu, pois é simples. Te pediria para não perder tempo, Aline, para não se iludir com a vida, porque tudo passa. Eu ficaria tão feliz em te ter comigo, fazendo o que eu te ensino, se transformando na grande mulher que eu quero que você seja, para que eu tenha a alegria de dizer que você é minha filha e que possam reconhecer traços meus em você, de personalidade, caráter e valores, que é muito mais do que reconhecer traços do rosto em filhos biológicos.

Então, Aline, enquanto eu pensava em tudo isso, lembrei de alguém que passa exatamente por essa situação que imaginei e que pude sentir tão claramente, como se fosse verdade, como se realmente fosse comigo. Ele é o desenhista daquela folha de papel, e tenho certeza de que sente por você algo muito maior do que eu senti quando te conheci e que sinto sempre que me lembro de você. Os homens complicam as coisas, Aline, mas a verdade é simples assim, é só isso que Ele espera dos seus filhos, daqueles a quem ele chama e por quem ele espera. E assim como eu te escrevo hoje, Aline, ele também me escreveu, e eu leio todos os dias, para conhecer seus pensamentos. Enquanto eu leio, ele fala comigo; eu não consigo ver, pois meus olhos são feitos no papel e só podem ver o que está no papel. Mas eu sei que ele fala comigo. Não é exatamente um sentimento, é como se eu tivesse, em minha mente, um editor de texto de pensamentos ao qual ele também tem acesso. Quando ele escreve, eu sei que é ele. E, muitas vezes, ele também me ajuda a escrever, me ensina começando um raciocínio para que eu possa concluí-lo. E assim como eu te escrevo hoje, Aline, Ele me escreveu, e disse: *”O meu povo não me quis escutar a voz, e Israel não me atendeu. Assim, deixei-o andar na teimosia de seu coração; siga os seus próprios conselhos. Ah! Se o meu povo me escutasse, se Israel andasse nos meus caminhos! Eu, de pronto, lhe abateria o inimigo e deitaria mão contra os seus adversários. Os que aborrecem ao Senhor se lhe submeteriam, e isto duraria para sempre. Eu o sustentaria com o trigo mais fino e o saciaria com o mel que escorre da rocha”. Aline, quando Ele fala em Israel, aqui, fala daqueles que Ele gostaria de fazer seus filhos, ou que já são seus filhos, mas não escutam ao pai. Expõe aqui o seu caráter de pai, o que o faz esperar por você tanto quanto, em minha narrativa, eu esperei.

Beijos e saudades

De quem espera, em breve, ter boas notícias a seu respeito,

(Tia) Vanessa Lampert

notas: * Salmos 81:12

A história do meu encontro com a Aline pode ser lida nos arquivos pré-históricos do Another Monster. Clique aqui.

Postergeist

Enquanto Poltergeist, segundo a Wikipédia, é “Um evento sobrenatural que se manifesta deslocando objetos e fazendo ruídos”, Postergeist é um fenômeno sobrenatural que se manifesta deslocando afazeres para um indefinido “depois” e gerando ansiedade e entulhamento de tarefas.

O foco dessa perturbação pode ter qualquer idade, qualquer gênero, qualquer formação. Postergheist é um fenômeno bastante democrático, que não faz acepção de pessoas, embora tenha uma inclinação especial para se manifestar em indivíduos portadores de TDAH (transtorno de déficit de atenção com hiperatividade). O fenômeno postergeist costuma ter seu pico de atividade durante a adolescência, mas em alguns indivíduos agrava-se na idade adulta, com o aumento de responsabilidades e tarefas.

A duração do postergeist é indefinida, mas costuma ser confundido com assombrações, ao torturar o indivíduo diariamente com aparições dos afazeres que ele tem postergado, cobranças externas a respeito desses afazeres e consequências aparentemente fatais para cada tarefa adiada.

O indivíduo começa, já na infância, deixando para depois a resolução dos exercícios propostos pela professora. Porém, o que o fenômeno postergeist não permite que a pobre criatura descubra, é que o “depois” não existe, nunca chega, é uma data abandonada em uma dimensão separada da nossa por alguns poucos dias. Por isso sempre achamos que o “depois” está perto, mas nunca conseguimos alcançá-lo.

Mais tarde, o postergeist fará com que o indivíduo acredite que pode adiar a resposta aos e-mails recebidos para um momento em que ele esteja suficientemente descansado para dar àquela pessoa a atenção que ela merece e escrever uma resposta bem legal, completa, escrita com cuidado. No entanto, ao enviar aquela tarefa para a dimensão paralela de “depois”, ela se perderá para sempre e jamais o momento de responder ao tal e-mail chegará. Deste modo, o remetente não receberá a resposta e se sentirá desprezado por não ter merecido nenhuma atenção de seu destinatário, justamente o que o tal destinatário postergador não queria que acontecesse.

Irremediavelmente acometida pelo postergeist, a miserável criatura enovela-se em um adiamento pior do que o outro, procrastinando para um amanhã que nunca chega, enrolando-se em um novelo de tarefas não concluídas e outras sequer começadas, como um garfo desesperado para livrar-se do espaguete gira descontroladamente sobre seu próprio eixo até sufocar-se com toda a macarronada, a ponto de ter de equilibrá-la e não conseguir depositar a massa em nenhuma boca aberta, por maior que ela seja.

Quando chega a esse ponto lastimável, o desprezível ser atropelado pelo postergeist já não sabe mais o que fazer para lidar com tantas tarefas atrasadas, tantos e-mails não respondidos, tantas pessoas chateadas, tantos convites não atendidos, tantas coisas acumuladas. Não existem mais desculpas disponíveis, os afazeres não têm a decência de esperar e continuam a avolumar-se. A louça lavada retorna à pia, novamente suja, pronta para formar nova pilha. Os sacos de lixo não aprenderam ainda a se colocar sozinhos dentro do cesto na calçada, a despeito de já terem passado por isso diversas vezes. Não existe nenhuma forma de transferir para o computador a resposta que seu cérebro cria àquele e-mail recebido assim que o lê. Não tem ninguém que viva exclusivamente para lembrá-lo das consultas médicas que ele precisa marcar, ele não é capaz de absorver por osmose o conteúdo dos livros que quer ler, nem pode transferir o trabalho que está em sua mente para sua mesa, assim, com um abrir e fechar de olhos. Começa a achar realmente injusto o fato de sua mente precisar de um corpo tão lento e depender de um dia tão curto para executar tudo o que ela sabe que deve fazer.

“Depois eu compro isso”, “depois eu conserto aquilo”, “logo que eu puder farei tal coisa”, “responderei assim que conseguir um tempo maior”, “outra hora eu escrevo isso”, “prometo que vou procurar aquilo, só não sei quando”…e cotinua a postergar.

O Postergeist, como todo bom fenômeno sobrenatural malévolo, só irá embora depois de muita perseverança do desafortunado homenzinho vitimado pelo mesmo. Pode-se usar a orientação bíblica: “Resisti ao diabo e ele fugirá de vós”. Resistir à vontade aparentemente incontrolável de postergar e fazer agora o que você gostaria de fazer depois é o primeiro passo para livrar-se de uma vez por todas dessa opressão.

Lembre-se que o Postergeist aloja-se no cérebro do indivíduo fazendo com que ele acredite que não será possível fazer absolutamente nada agora. Isso ocorre porque o Postergeist alimenta-se de cada tarefa enviada à dimensão paralela de Depois, que é o único lugar no qual ele pode assumir uma forma física. Em Depois, o Postergeist usa os afazeres adiados como fonte de nutrição para seus filhotes, ainda em fase larval. As larvas de Postergeist precisam dos nutrientes encontrados nas tarefas não realizadas para que cresçam fortes e espertas e passem a aterrorizar outras pessoas em nossa dimensão. São mais ou menos como os mosquitos, que sugam o sangue para nutrir suas crias, que nascem e crescem só para sugar o sangue para nutrir suas crias e assim sucessivamente ad infinitum. Como os mosquitos, apenas as fêmeas Postergeist sugam nossas tarefas. Para isso elas se utilizam de nossas emoções e de nossas sensações. Sentimos que estamos cansados e deixamos as coisas para depois…ou então procrastinamos por irritação, por desatenção, por preguiça, por medo, por qualquer outro motivo que não seja um pensamento racional.

Quando pensamos, nos forçamos para resistir àquele impulso de postergar e sabemos que ele é, na verdade, resultado da manipulação de nossa mente pelo fenômeno Postergeist, percebemos que não nos vai cair um braço, nem o pescoço se fizermos agora o que nós temos de fazer. Deixar de adiar não fará com que se destrua o universo como o conhecemos. Pelo contrário, só assim encontraremos equilíbrio e tranquilidade para fazer o mundo girar e as 24 horas de um dia serem suficientes para abrigar todos os afazeres que temos programado.

Ainda estou na fase de libertação do fenômeno postergeist, tentando lutar contra ele, com todas as minhas forças. No meu caso, tive uma porção de motivos realmente nobres para me encontrar agora nessa fase garfo emaranhado no espaguete, mas não posso usá-los como desculpa para permanecer enroscada e não sair do lugar. Ainda não sei o que fazer com aquela porção de coisas que acabei não fazendo, não sei se ignoro, finjo que não existem e recomeço, daqui para diante, ou se revisto-me da paciência de um monge venusiano e faço, como me recomendou minha mãe, aos poucos, uma coisa de cada vez, até ter feito todas as coisas, ou pelo menos mais do que eu faria caso me desesperasse e adiasse compulsivamente.

Já tentei fazer todas as coisas que eu não fiz para me livrar logo delas e poder fazer as outras, mas enquanto eu faço o que passou, as outras coisas novas se acumulam. Se eu fizer aos poucos, posso fazer novas e antigas, intercaladas, e talvez surta algum efeito. Se eu não fizer, tenho de ter coragem de encarar as consequências…já agi assim, encarei as consequências, deu tudo certo, mas perdi uma porção de amigos.

Atualmente estou dando prioridade às tarefas novas, essas eu não deixarei mesmo de fazer. Só o que me preocupa é o que fazer com a vida que eu tinha antes, ou mesmo com minha vida social, esses detalhes que eu deixo para depois e que eu sei que não deveria, pois tudo passa muito rápido e de repente já faz seis meses que eu fiz um determinado exame e até agora não levei para a médica. Quero me livrar definitivamente do Postergeist, e minha agenda tem sido uma boa aliada, mas talvez haja, em algum lugar, um gupo de caça-fantasmas que consiga aprisionar, de uma vez por todas, esse terrível inimigo. No entanto eu sei que a solução para esse problema não pode vir de fora, não há possibilidade de responsabilizar outra pessoa pelos meus problemas, pela piora ou melhora deles. Eu tenho de continuar a me esforçar e lutar contra a força destrutiva do Postergeist.

Nesta luta solitária que empreendo, sequer me sinto no direito de pedir a compreensão dos amigos, pois eles têm sido compreensivos há alguns anos. Basta-me que saibam que meu esforço tem sido recompensado. Não, ainda não consegui ensinar minha louça a tomar banho sozinha (embora continue tentando), nem mesmo construí uma cópia andróide para me substituir em eventos de amigos nos quais sei que minha presença seria importante, também não consegui ainda uma forma de transferir o conteúdo dos livros que aguardam minha leitura para a minha cabeça, mas pelo menos tenho tido mais clareza e menos desespero na hora de agir contra o postergeist. Ainda que em alguns momentos eu novamente caia em tentação e postergue, enviando as tarefas urgentes para o Depois, às vezes substituindo por outras menos importantes, nem mesmo isso me faz desistir, pois volto a me reerguer e enfrentar mais uma batalha, na esperança de em breve me livrar, de uma vez por todas, deste fenômeno maligno, como já me livrei de tantos outros.

E antes que alguém sugira….não, eu já tentei, mas ele não sai na sessão do descarrego. É só com o esforço e a mudança de hábitos, mesmo…com a renovação da mente…não é um fenômeno espiritual, é um fenômeno sobrenatural comportamental. Exige mudança onde a maioria de nós não admite mudar: nos hábitos, nas verdades arraigadas, no comportamento, nas emoções, na personalidade. Dói um pouquinho, mas nada que uma dipirona não resolva.

Posted by Vanessa Lampert