Série Reis: Bate-Seba já gostava de Davi?

Na série Reis, Bate-Seba aparece interessada em Davi antes mesmo de se casar com Urias, um dos valentes de Davi. Mais do que interessada, ela quase se oferece para Davi, mas nesse primeiro momento, não tem coragem. E por pressão do avô, Aitofel, ela aceita se casar com o valente.

Mas… Afinal de contas, o que a Bíblia diz sobre isso? Faz sentido dizer que Bate-Seba pode ter se interessado por Davi antes de se casar?

Vamos lembrar que as histórias na Bíblia são bem resumidas. Apenas alguns acontecimentos foram registrados, sem grandes explicações sobre detalhes (essa comunicação mais resumida era comum, porque o próprio ato de escrever não era fácil como hoje, que temos canetas esferográficas e teclados de computador).

Mas seres humanos não fazem as coisas do nada. Tudo tem um porquê, às vezes nossas atitudes têm um longo contexto. Nas entrelinhas, às vezes a Bíblia deixa claro o contexto e é preciso escavar só um pouquinho. Mas em outras vezes, faltam alguns pequenos detalhes. E é isso que um autor precisa tentar descobrir (ou imaginar): um contexto que pareça verdadeiro e provável para chegar ao acontecimento que a Bíblia registra.

A Bíblia não dá detalhes sobre se Bate-Seba já gostava de Davi ou não, ela só aparece na hora em que Davi a vê se banhando no terraço, então qualquer coisa que escrevessem para explicar como as coisas aconteceram, teria que ser inventada. Mas você há de convir que ela com certeza sabia que, se tomasse banho no local em que tomou, poderia ser vista pelo rei.

Então a interpretação de que ela fez de propósito porque já estava interessada nele é perfeitamente plausível. Se não estivesse, não teria se exposto daquela maneira. E a probabilidade de que esse interesse tenha sido anterior ao casamento com Urias também é alta, já que Davi era famoso e cobiçado pelas mulheres desde sempre. Para criar o contexto da história de forma a respeitar o texto bíblico, precisa seguir a lógica, e essa ideia de que ela já gostava dele antes é perfeitamente lógica.

Se foi exatamente assim ou de outra maneira, jamais saberemos. Mas assim a história fica verossímil e também nos traz alguns ensinamentos, já que uma das coisas mais comuns que existem é alguém ter dúvida em sua vida amorosa. Então além de criar um contexto para a história e a personagem, as autoras também aproveitam para falar um pouco, através da narrativa, sobre assuntos atuais, que fazem muita gente sofrer.

Na série, Bate-Seba fica obcecada por Davi. Não é amor. E cada vez mais as pessoas têm dificuldade com isso. Interpretam como amor um sentimento descontrolado por alguém que idealizam. As músicas hoje dizem que isso é amor, os filmes dizem que isso é amor, os romances dizem que isso é amor, as novelas dizem que isso é amor…alguém precisa dizer que isso não é amor! E é isso que Reis mostra. Mais do que dizer, a série MOSTRA.

Não fica só na romantização do sentimento, ela mostra o que acontece quando alguém alimenta um sentimento que parece bonito, mas que é errado e destrutivo. Esse “amor” fake é como um bichinho que no início até parece bonitinho, mas, alimentado, vira um monstro. Tipo um gremlin.

A Bate-Seba da série tinha tudo para ser feliz, mas a eterna insatisfação dentro dela a impedia de enxergar o que ela tinha. E além de não refrear o sentimento (e sim, isso é possível), ela também demonstra uma falha de caráter ao usar Urias como estepe, brincando com os sentimentos dele. E enquanto vemos todas essas coisas feias em uma moça tão bonita, também analisamos as nossas próprias atitudes.

Creio que essa capacidade de levar quem assiste à reflexão seja um dos pontos altos dessa série. Nada está ali por acaso. E, na real, dificilmente você vai encontrar algo na dramaturgia que seja feito por acaso.

Quantas vezes as novelas que assistíamos na Globo nos levaram a torcer pelo adultério? A mulher traía o marido e os autores nos levavam a acreditar que aquilo era amor e que não havia consequência… Aliás, um estudo de 2009 relacionou as novelas da Globo ao aumento dos índices de divórcio desde a década de 70 (quando o divórcio ainda não era normal no Brasil). Os autores mostraram também que o número de divórcios aumentava significativamente depois que o sinal da Globo se tornava disponível nas cidades.

Reis vem na contramão dessa tendência de romantizar o adultério, para mostrar a realidade: sim, todas as nossas ações têm consequência. E a consequência do adultério é a destruição. A consequência do pecado, em geral. Sei que isso é algo que nem todo mundo quer saber, mas é o que a vida joga na nossa cara com o passar dos anos: o que você plantar, irá colher. Inevitavelmente. Quem é inteligente, está assistindo ao plantio da Bate-Seba e do Davi. E analisando os seus próprios.

PS. A série é a leitura das autoras sobre a Bíblia, este post é minha leitura sobre a série. Espero ter ajudado alguém.

PS2. A série é transmitida pela Record à noite, mas assisto durante o dia pela plataforma de Streaming Univer.

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