Mês: janeiro 2016

Sendo menos animalzinho

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Tenho sérias dificuldades com nosso ritmo contemporâneo. Preciso de tempo para pensar, questionar, analisar, pesquisar, ler e escrever. Nossa sociedade não valoriza o tempo para pensar. O silêncio, o ficar sozinho, o analisar profunda e cuidadosamente. Tudo tem de ser na correria, com mil aplicativos abertos ao mesmo tempo, uma enxurrada de entretenimento, indignação artificialmente plantada pela mídia e conversas nonsense de Facebook.

Consequentemente, estamos ficando mais superficiais e com conflitos cada vez menos resolvidos. Intelectualmente, as pessoas estão virando bichinhos. Vivem à base da emoção e suas opiniões são aquelas que o Jornal Nacional ou a Revista Veja dizem que elas devem ter. Já recebem as opiniões mastigadas da mídia, então, atuam como se realmente soubessem do que estão falando. E preferem gastar seu tempo com joguinhos, bate-papos que não levam a lugar nenhum, redes sociais e entretenimento vazio. O prazer momentâneo, acima de qualquer outra coisa. Um docinho rápido para disfarçar a fome que aumenta.

Intelectualmente desnutridas, essas pessoas se tornam cada vez mais carentes e vazias. Suas carências e seus vazios são temporariamente supridos por mais balinhas, oferecidas pela indústria do entretenimento, pela indústria da beleza, pela indústria do sexo, pela indústria religiosa e por uma infinidade de outras indústrias perniciosas que se reproduzem feito moscas no lixo da nossa sociedade, corroendo o que há de melhor dentro daqueles que buscam nelas a solução para sua fome.

No entanto, essa fome não pode ser suprida por sentimentos ou sensações, muito menos por coisas materiais ou atenção. Essa fome é profunda e só pode ser saciada quando você consegue parar, ficar sozinho e analisar o que está acontecendo dentro de você. Se entupir de doces não vai resolver seu problema. Um novo parceiro não vai resolver seu problema. Passar o dia no Facebook não vai resolver seu problema. Encher sua cabeça de barulho não vai resolver seu problema. Encher sua agenda de atividades não vai resolver seu problema. Não se esconda no caos. O caos só faz o problema aumentar, sem que você perceba.

O que ninguém quer ver é que essa fome é espiritual. E a única forma de saciá-la é indo à Fonte. A busca por Deus não é a busca por si mesmo. A busca por Deus não é a busca por uma religião. A busca por Deus é a busca por Deus. Não há muitos caminhos para isso. Assim como se você quiser me conhecer, o único caminho que pode tomar é vir até mim e me conhecer, se você quiser conhecer a Deus, a única forma é ir até Ele e conhecê-Lo.

Porém, e aquelas pessoas que já conheceram a Deus, mas continuam nessa busca desenfreada por sensações, mergulhados no Facebook, Whatsapp, Twitter, Instagram, aplicativos, jogos, vídeos, televisão e demais estímulos emocionais e sensoriais? São usados pela tecnologia, manipulados pelos interesses alheios, tanto quanto as outras pessoas que buscam nessas coisas o preenchimento de sua vida e de seu tempo, para não pensarem na própria vida. Não querem ficar sozinhas um segundo. Não querem ter de se encarar.

O que você mais alimenta, é o que vai crescer. Se alimentar sua inteligência, ela crescerá. Se alimentar suas emoções e sensações, elas se desenvolverão e tomarão conta da sua vida. O segredo de tudo é o equilíbrio, somos racionais justamente para que nossa mente seja capaz de liderar nosso corpo e nossas emoções. Não inverta essa equação, ou não haverá diferença entre você e um gambá.

Os animais têm uma inteligência, um certo raciocínio, a capacidade de resolver problemas e enfrentar situações inusitadas que exigem mais do que mero instinto. E são capazes de se comunicar, também. No entanto, seus comportamentos são guiados basicamente por emoções, sensações e instinto, deixando a inteligência em segundo plano. Eles reagem irracionalmente muito mais vezes do que agem racionalmente. Respondem aos seus sentimentos sem questionar, como muita gente que você conhece.

Os humanos têm milhares de anos de desenvolvimento filosófico e de raciocínio, o que lhes daria uma vantagem em termos de capacidade de utilização racional. Mas, intencionalmente, esse desenvolvimento tem sido barrado e sufocado a ponto de as novas gerações (e as velhas, também) estarem cada vez mais superficiais. A intenção, seguramente, é formar um exército de pessoas desprovidas de capacidade cognitiva, guiadas pela vontade de uma minoria. Já essa minoria, obviamente, investe pesado em sua própria formação intelectual.

Por isso, pular fora do gira-gira deste mundo pode machucar no começo, mas é a única maneira de conseguir uma vida interior decente. Pouquíssimas pessoas farão isso. Porque o ritmo deste mundo traz um certo prazer, já que é voltado para isso. Mas também cobra um preço alto. O efeito rebote não compensa todo o prazer que você recebeu. Melhor uma vida equilibrada, sobre a qual você tenha algum controle, do que viver de extremos, de picos e vales, sendo guiado por alguém que quer sugar tudo o que você tem e transformá-lo em uma casca vazia.

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A mente do escritor

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Escritores não são pessoas especiais ou alvos inatingíveis, hoje eu creio que qualquer pessoa pode se tornar um escritor, desde que aprenda a pensar como um escritor e, obviamente, a passar seus pensamentos por escrito como um escritor. Mas qual é o modo de pensar do escritor?

A mente de alguém que tem a literatura como atividade prioritária funciona um pouquinho diferente. O escritor observa o mundo à sua volta com atenção aos detalhes que ninguém vê. Uma folha seca presa a uma placa de trânsito pode render um texto. A folha pode representar qualquer coisa, desde a natureza até a própria pessoa que escreve ou mesmo o tempo. A placa de trânsito também pode representar qualquer coisa, desde as mais óbvias até as mais esdrúxulas.

O escritor deve ser capaz de fazer conexões lógicas entre coisas absurdas. Uma meia suja pode ter a ver com uma alga marinha, você só precisa construir uma conexão lógica entre os dois elementos. E isso é o texto literário. Isso é o despertar da criatividade. Abrir espaços. Romper conceitos pré-estabelecidos. Abrir as portas e as janelas. Costurar o ilógico com a lógica. Brincar com as palavras, procurar o humor.

O escritor observa. Observa o mundo, observa as pessoas, observa as interações, observa tudo. Não julga, a princípio, apenas observa e absorve. Ele é curioso, interessado, como um pesquisador de outro planeta. O escritor é de outro planeta.

O escritor é detalhista, ainda que seja impulsivo e hiperativo. Se não é detalhista para descrições, é detalhista para sensações e definições. Ele é detalhista para o raciocínio, para colocar no papel exatamente aquilo que quer transmitir.

 O ato de escrever é mais do que simplesmente ajeitar as sentenças no papel. As palavras pulam, conversam, discutem, dão ideias para o texto. Sentença, no texto, não é aquela dada pelo juiz, com a carga dramática de destino definitivo. Sentença, no texto, é a frase que se arranja, orgânica, com vida própria, e que nós temos que aprender a controlar, a domesticar.

Não sou partidária do texto selvagem, doido, gerado por emoções e cavalgando alucinadamente como um cavalo que fugiu do hospício. Sou fã do texto racional, que usa a emoção a seu favor, mas jamais abusa dela. O texto limpo, sem lugar-comum, evitando frescuras que tentem mostrar erudição do autor. O texto não diz respeito ao autor, mas ao leitor.

Sou entusiasta do texto que acrescenta ao leitor, jamais subtrai. O texto ladrão, pobre e infeliz, que rouba o tempo, rouba a alegria e rouba o entusiasmo merece o meu desprezo (e o seu, também). Mas as palavras que constroem, que abrem portas, implodem muros e ampliam espaços são as que realmente têm meu respeito.

São essas que encontram espaço nos leitores e fazem com que o trabalho do escritor seja realmente útil. São elas que constroem as pontes e abrem as cavernas em que nos recolhemos para escrever. São elas que fazem o escritor deixar de ser um mero repetidor de si mesmo para transmitir o que é universal e que, muitas vezes, o leitor ainda não percebeu.

E, entre todas as ferramentas que um ser humano pode ser, de construção e de desconstrução, a mais bonita delas é uma caneta. Capaz de moldar culturas, transformar sociedades, influenciar gerações, traçar caminhos, desenhar futuros. Todos temos a semente de um Escritor dentro de nós. Todos somos capazes de desenvolver essa habilidade. No entanto, por alguma razão, um esforço descomunal tem sido feito para convencer as pessoas de que escrever é algo reservado a uns poucos iluminados. Assim, aqueles que têm algo a dizer acabam com medo de dizer, pois não fazem parte dos “escolhidos” pela Pena Sagrada.

Escrever é ampliar a voz. É espalhar a voz. Não é reunir palavras ordenadas por regras, simplesmente. Não é engessá-las e reduzi-las a um amontoado de letras formais. É imprimir sentido, é entrelaçar linhas coerentes, é dizer o que se quer dizer de uma forma que os outros, que estão fora de sua cabeça, compreendam. É descobrir o outro. É entender melhor. É encontrar os óculos certos e ajudar a enxergar.

“Vai, pois, escreve isso numa tabuinha perante eles, escreve-o num livro, para que fique registrado para os dias vindouros, para sempre, perpetuamente.” Isaías 30.8

“O Senhor me respondeu e disse: escreve a visão, grava-a sobre tábuas, para que a possa ler até quem passa correndo.” Habacuque 2.2 — Se fosse hoje, acho que Deus mandaria escrever um blog. 😉

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