Categoria: Sociedade

Sobre Zygmunt Bauman

Excelente descrição dos tempos atuais...
Excelente descrição dos tempos atuais…

Comentei com uma amiga esses dias que ver as entrevistas do Zygmunt Bauman  era como conversar com um avô que não tenho. Tínhamos muitas opiniões parecidas (não todas, obviamente) e descobri o trabalho dele numa época em que eu já reclamava das coisas líquidas e do mundo que se liquefazia ao meu redor. Zygmunt Bauman se destacava pela análise lúcida dos tempos esquisitos que vivemos e que ele chamava de “modernidade líquida”, uma época em que praticamente tudo perdeu a solidez. Era uma voz pensante, vinda de uma era em que as relações humanas realmente tinham valor e os princípios eram sólidos.

Sempre achei o máximo o fato de ele ter intensificado a produção depois de idoso. A época em que mais contribuiu com a sociedade foi justamente a fase em que muitos acham que são inúteis e tiram o time de campo. Tinha uma lucidez admirável. Pensei muito nele semana passada e, como sempre faço quando me lembro de alguém, orei por ele. Soube que faleceu hoje (felizmente pude orar por Ele a tempo. Tenho certeza de que não foi em vão). 

Bauman tinha 91 anos.

Gosto de estudar História da Humanidade e ler sobre reinos, eras e como se vivia no passado. Quando se acostuma a contar o tempo em séculos e milênios, se percebe que, não importa quantas décadas uma pessoa viva, passa muito depressa. Por isso, é importante fazermos as escolhas certas enquanto estamos aqui, para garantir o que realmente importa.

Para quem não o conhecia, segue duas entrevistas em texto muito interessantes:

Ao La Vanguardia: Clique aqui para ler em português. (Leitor de fala espanhola, clique aqui para acessar o texto original )

Ao El País (em português): Clique aqui para ler.

Alguns trechos:

Estamos em um estado de interregno, entre uma etapa em que tínhamos certezas e outra em que a velha forma de atuar já não funciona. Não sabemos o que vai a substituir isso. As certezas foram abolidas.”

[…]

Muita gente usa as redes sociais não para unir, não para ampliar seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que veem são os reflexos de suas próprias caras. As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha.”

[…]

“felicidade é o gozo que dá ter superado os momentos de infelicidade. Ter conseguido transformar teus conflitos, porque, sem conflitos, as nossas vidas, a minha vida, teriam sido uma verdadeira chatice.”

E para que você entenda minha sensação de conversar com um avô, segue uma entrevista dele em vídeo.

https://www.youtube.com/watch?v=1miAVUQhdwM

É claro, como pensador deste mundo, a visão de Bauman era incompleta. Quem procurar verdade e o sentido real das coisas nos pensamentos humanos vai fazer com que sua cabeça vire patê. O mundo perdeu Zygmunt Bauman, porque ele era uma das coisas que o mundo tinha de melhor. Mas qualquer pensamento humano vem repleto de lacunas. Por isso, sempre vi Bauman como o avô que falava sobre seu tempo e sobre sua forma de ver o mundo. De maneira nenhuma o via como um mestre ou alguém que aponta o caminho. Ele mesmo nunca se colocou nessa posição. Estava ali para pensar, analisar e avaliar com base no que conheceu. Sob esse aspecto, acredito que existem coisas interessantes em sua análise da pós-modernidade, mas preencho suas lacunas com o Conhecimento Completo a que temos acesso. E é por isso que leio suas previsões políticas e só consigo pensar no apocalipse, no governo mundial (e na sociedade que tem se tornado fria, distante e emburrecida para aceitar o que vem por aí)… Cada um interpreta a leitura com a bagagem que traz consigo, não é mesmo?

 

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PS: A propósito, eu sei exatamente o que vem depois desse estado de interregno, amigo. Mas melhor do que explicar meu ponto de vista é terminar o livro que estou escrevendo nas horas vagas. Assim conseguirei mostrar o que penso (mostrar é muito melhor do que simplesmente contar). Por enquanto, basta dizer que eu leio tudo com olhos de apocalipse rs. 

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PS2: Por falar em gente mais velha, sempre amei conversar com pessoas mais velhas. Entendia que poderia absorver o conhecimento delas e aprender com suas histórias de vida e visão de mundo. Evitei muitos erros assim, aprendendo com o que os mais velhos me contavam. Pessoalmente ou à distância, não perca a oportunidade. Se você ainda tem avô ou avó, aproveite para ouvi-los. Ainda que seus pais já tenham lhe contado as mesmas histórias, peça para ouvir a versão de seus avós. Ouça o que eles pensam, mesmo que, de início, não entenda ou não concorde. Se não tem avós, aproveite os avós dos outros, seus pais, seus tios, seu pastor ou amigos mais velhos. Cada pessoa é um universo e quanto mais tempo vive, mais expandido e rico é esse universo.

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Comércio de Almas

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Números do Ministério da Saúde divulgados pelo Estadão esta semana mostram que morrem, POR DIA, cerca de QUATRO mulheres que procuram ajuda nos hospitais por complicações do aborto. Até esse dado ser divulgado, os números oficiais davam conta de que uma mulher morria por esse motivo a cada dois dias. Esse é um problema grave que não se resolve com a proibição da prática. A lei, do jeito que está, não tem ajudado nem a mãe, nem o filho.

Muitos cristãos, no entanto, pensam que estamos falando da morte de assassinas e, por isso, acham que seria uma espécie de “punição Divina”. Essa ideia tem raiz na tradição religiosa católica. Porém, se você quer saber a opinião de Deus a respeito, não pergunte para religião nenhuma, veja o que Ele mesmo diz na Bíblia:

“Se alguns homens pelejarem, e um ferir uma mulher grávida, e for causa de que aborte, porém não havendo outro dano, certamente será multado, conforme o que lhe impuser o marido da mulher; e pagará conforme aos juízes. Mas, se houver morte, então, darás vida por vida.”  Êxodo 21.22,23

Se Deus enxergasse como os religiosos de hoje, tanto a morte da mulher quanto o aborto seriam o mesmo crime: assassinato. Porém, não é assim que Ele vê. Se o ferimento provocasse a morte da mulher, a pena era a morte. Mas se provocasse apenas o aborto, a pena era multa. Isso porque o feto era considerado parte do corpo da mãe e só visto como uma vida independente após o nascimento. Concorde você ou não, é esse o entendimento bíblico. Aborto é dano, sim, mas não comparável à morte da mãe. O resto, é tradição religiosa e opinião pessoal. E o fato é que essa tradição tem custado quatro almas por dia, todos os dias.

As maiores vítimas, como sempre, são as mais pobres. Quem tem dinheiro faz aborto no exterior ou em clínicas mais estruturadas, com médicos de verdade. Quem não tem, recorre a medicamentos abortivos ou a um muquifo qualquer. Muitos, liderados por bandidos que só querem dinheiro e não estão nem aí para a vida da mulher. O resultado? Perfurações uterinas, hemorragias e infecções. Quase sempre, não é o aborto que mata a mulher. É o aborto malfeito, clandestino. 

Segundo o IBGE, a maioria das mulheres que aborta já tem filhos. Ou seja, além da nossa lei atrasada alimentar esse comércio de almas, ainda deixa milhares de filhos sem mães. E, que me desculpem os religiosos, é absurdamente cruel e anticristão culpar essas mães por suas próprias mortes. Quando a morte é de alguém da nossa família, percebemos que uma por ano já é uma tragédia. Imagina uma alma sendo ceifada a cada dois dias. Ou quatro por dia! 

Para chegarem a se expor a esses riscos, essas mulheres estão desesperadas, achando que não têm outra saída. Estão sozinhas, muitas vezes sem ter com quem contar. Se o procedimento fosse legalizado, chegariam ao hospital e encontrariam uma equipe multidisciplinar para atendê-las: um grupo de profissionais de saúde interessados no bem-estar da paciente e não no dinheiro que ela tem a lhes oferecer. Teriam o apoio de psicólogo e assistente social para conversar e decidir se aquela realmente é a melhor escolha. E poderiam, de fato, fazer sua escolha. No Uruguai, país que legalizou o aborto recentemente, é exatamente assim que funciona. Algumas mudam de ideia, decidem levar a gravidez adiante e conseguem apoio para ter seus filhos. Outras, mantêm sua decisão de interromper a gravidez e fazem o procedimento de forma segura e sem complicações, mantendo a saúde, a dignidade e a própria alma. 

Não podemos tapar o sol com a peneira, acreditando que manter o aborto na ilegalidade fará com que as mulheres não abortem. Nem nos eximir da responsabilidade quando morrem na mesa dos “açougueiros” e ficamos sabendo pelos jornais. Somos responsáveis, sim, se continuamos a achar que elas não merecem ser protegidas pela lei. Ser a favor da legalização do aborto não é, necessariamente, ser a favor do aborto. Ninguém precisa ser a favor do câncer e do cigarro para ser a favor de que o Estado ofereça, por lei, tratamento de câncer de pulmão a fumantes e lhes poupe a vida. Com o aborto devidamente regulamentado, oferecido com segurança, principalmente às mulheres pobres e desassistidas, aí, sim, podemos começar a discutir se ele é certo ou não, com base em opiniões pessoais. O importante  — e urgente — é que essas mulheres parem de morrer.

 
PS: Por favor, respirem fundo e leiam o texto com atenção para entender o que digo. Não estou discutindo se aborto é certo ou errado ou se devemos ser contra ou a favor do ato, em si. Essa é discussão para outro post e outro momento. Quem ler esse texto querendo usar a cabeça e não o coração ou o músculo religioso, vai conseguir entender exatamente o que estou dizendo e o que realmente me preocupa.
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PS2: Este artigo é de minha autoria e foi publicado no blog do Bispo Macedo: http://blogs.universal.org/bispomacedo/2016/12/23/comercio-de-almas/
E no jornal Folha Universal
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