Mês: outubro 2015

Escolha bem as palavras

darth

Dos momentos dramáticos que minha profissão proporciona. Você precisa editar um trecho que diz, basicamente, que se você quer ser uma pessoa boa, não deve andar com pessoas ruins. Só que se depara com a palavra “caráter”. “Se você quer ser uma pessoa de caráter, não deve andar com (plural de mau-caráter)…” Como você completaria essa frase? Mau-caráteres? Maus-caráteres? Maus-caracteres? Maus-caráters? rs

A chamada “norma culta” (uma senhora muito educada rs) diria que o “certo” é dizer “maus-caracteres”, porque o plural de caráter é caracteres. No entanto, é algo que quase ninguém usa. Uma expressão que causaria estranhamento no leitor e o faria parar no meio do livro, encarar aquela palavra e dizer “oi? como é?”

Confesse, leitor! Você imaginaria caracteres! Símbolos tipográficos malvados, tipo uns %$@& do mal. Sorry, dona gramática normativa, eu nunca conseguiria escrever isso em um livro para pessoas normais em pleno 2015. Não dá. Porque eu tenho cer-te-za que o leitor tropeçaria naquele “caracteres” e estragaria o ritmo da coisa toda.

Aí lá vou eu tentar encontrar uma saída. Já me convenci de que não vai dar para usar os maus caracteres. Preciso encontrar uma boa solução para o problema que eu mesma criei. (Sim, porque um escritor/editor/revisor/redator/preparador de texto/jornalista normal não teria esse problema. Simplesmente tascaria “maus-caracteres”, porque “é o certo”, sem pensar que, além de deixar o texto bonitinho e “correto”, sua obrigação é manter a legibilidade.)

Uma boa saída para esse impasse geralmente é mudar tudo. Não adianta eu procurar uma palavra que substitua “maus-caracteres” porque não vou encontrar enquanto meu cérebro achar que é a única coisa que cabe nessa estrutura. Na melhor das hipóteses ele vai me sugerir que encontre uma forma de manter tudo no singular.

Poderia escolher “se você quer ser uma pessoa de caráter, não deve andar com pessoas sem caráter”. Sei que jornalistas que aprenderam o corte de palavras repetidas como uma das técnicas de edição me pendurariam no madeiro por essa escolha. Mas, em literatura, repetições propositais, conscientes, são bem-vindas (literatura, eu te amo).

No entanto, se eu fizer essa mesma edição em um texto mais engessadinho e não quiser que meu editor tenha uma síncope, posso pensar um pouquinho mais e optar por algo do tipo “Se você quer manter seu caráter intacto, fuja de quem tem desvios de caráter” ou qualquer opção que diga a mesma coisa com outras palavras. Pode até encontrar um sinônimo para “caráter”. Eu tenho um dicionário de sinônimos (do Antenor Nascentes) e ele me ajuda quando a criatividade está em baixa.

O que não pode acontecer é manter uma palavra que pode causar dúvida ou atrapalhar a compreensão do meu leitor. Não posso me dar ao luxo de escrever sem ter plena consciência de que minhas palavras realmente estão dizendo o que eu quero dizer. Ainda que eu esteja fazendo o certo, se existe uma outra maneira igualmente certa de resolver uma situação, mas que cause menos danos à compreensão do meu leitor, é minha obrigação encontrá-la.

Palavras são material de construção. Cada palavra é unida a outra e, juntas em um contexto, formam casas, constroem muros, fazem pontes. Somos nós que escolhemos o que vamos construir. Em um relacionamento, pontes são mais importantes do que muros. Casas são lugares de abrigo. Lugar de alimento. De proteção.

Em alguns momentos, você vai precisar optar por uma forma mais dura, que não gostaria de usar. Uma palavra complicada, em que seu leitor corre o risco de tropeçar. Use de forma consciente. Tente sempre manter a ponte intacta para que sua comunicação consiga fluir bem. Uma tábua cheia de pregos pode ser algo perigoso de se manter nessa ponte.

O objetivo do texto é ser compreendido. E esse, na verdade, é o objetivo de qualquer um que se comunique. Não é só uma questão de saber como se escreve a palavra “x” ou “Y”, mas de entender que o texto não é um amontoado de palavrinhas. Ele está ali com uma finalidade. Construa sua comunicação tendo seu objetivo em mente e seja suficientemente flexível para alterar frases e rumos a fim de não destruir sua meta.

Lembre-se de que seu interlocutor não está dentro da sua cabeça. Ele não tem obrigação de adivinhar o que você quer que ele saiba. Aprenda a construir pontes com palavras. Todos somos construtores. Relacionamentos são feitos de palavras, pensamentos e atitudes. Todas essas coisas devem estar conectadas, com as conjunções certas, com escolhas bem analisadas. A vida é um grande texto. Tudo está sendo escrito. São livros e mais livros que imprimimos desde nosso primeiro choro até nosso último suspiro.

Não é Deus quem escreve os livros da sua vida. É você.

Chocando a sociedade

IMG_6847
*Chocando a sociedade com uma garrafa de água mineral 😀

Os revoltadinhos estão muito desatualizados. Com exceção de uma minoria congelada no tempo, ninguém mais se choca ao ver um corpo todo tatuado, ao ver uma mulher que resolveu não se casar e fazer uma produção independente ou ao ver uma moça vestida de periguete ou com cabelo azul. Muito menos se choca ao ver meninos e meninas ficando com vinte pessoas em uma festa. Sorry, isso é comum. Co-mum. Perder a virgindade aos 15 anos é a coisa mais banal no mundo de hoje. Se você quer chocar, mesmo, tem que ser diferente de verdade.

Durante minha vida inteira eu me senti fora da lei. Como qualquer adolescente, eu gostava da sensação de estar chocando a sociedade. Mas, ao contrário da maioria dos meus colegas, eu não estava minimamente interessada em chocar vovôs e vovós. O que eu queria mesmo era ser diferente daqueles que estavam ao meu redor. Eles não enxergavam que a repulsa que tinham por meu discurso e meu comportamento era exatamente igual àquela que queriam provocar nos adultos com sua “rebeldia”. Eu achava graça. Humanos são sempre iguais, afinal.

Rebelde entre os rebeldes, aprendi que era legal ser diferente. E isso se estendeu à vida adulta. Hoje nem é por ser legal, mas por já ter se tornado hábito viver fora das caixinhas da sociedade contemporânea. Porque viver fora da caixinha é viver fora da caixinha de 2015, não fora da caixinha de 1950. Não faz o menor sentido continuar a se rebelar contra os padrões de 1950 quando os padrões hoje são completamente diferentes. Você bebe? Grande coisa, todo mundo bebe. Você tinge o cabelo de rosa? Grande coisa, “jeans color” se acha em qualquer esquina. Você se enche de tatuagem? Ba-nal. Hoje tem velhinhas com tatuagens enrugadas por aí. Está cada vez mais difícil ser diferente.

Quando criança ouvia muito minha mãe dizer que eu não deveria ser Maria-vai-com-as-outras. Ela também não se chocava com nada. Acho que isso me fez prestar atenção ao mundo para fazer tudo ao contrário. Meus colegas bebiam? Eu fugia do álcool. Eles fumavam? Eu detestava cigarro. Ficavam com um por semana? Eu não ficava com ninguém. Gostavam de balada? Eu gostava de escrever no meu quarto. Não estavam nem aí para Deus? Eu vivia na igreja. Todo mundo falava palavrão? Eu não falava palavrão. E posso garantir que sempre fui vista como subversiva.

Porém, já aviso: não é fácil ser rebelde. Você tem de ser forte e precisa aprender a assumir suas opiniões de maneira realmente assertiva. Porque vão tentar todas as estratégias para fazer com que você se encaixe na forminha pronta que o mundo tem para pessoas da sua idade (seja qual idade tiver). Questionamentos, tentativa de ridicularização…todo tipo de golpe baixo é testado até que as pessoas vejam que você está falando sério e comecem a respeitá-lo. Por isso, mantenha-se firme.

É facinho chocar a sociedade quando ela é formada por velhinhas bitoladinhas que não assistem a TV (e mesmo essas nem sempre se chocam com coisas que já são banais. Só uma minoria ainda se choca. É sério). E a pessoa ainda quer encontrar sua própria identidade se rebelando contra o “status quo” do século passado, sem se dar conta de que a minoria já se tornou maioria há muito tempo. Forte mesmo é quem vai contra a correnteza do mundo de hoje, mantendo sua opinião contrária à da maioria. Mesmo sendo ridicularizado e perseguido, continua seguindo aquilo que pensa, aquilo que  crê.

Eu olho para os revoltadinhos desatualizados e me pergunto quando eles vão instalar as atualizações.