Categoria: Sociedade

Onde estão os cavalheiros?

2010

Eu encontrei o meu no Rio Grande do Sul.  Desde que começamos a namorar, ele fazia questão de pagar tudo, abria portas (ou tentava, já que eu me esquecia e acabava abrindo antes dele) e carregava os pacotes (apesar de eu não gostar, na época). Se você achar que esse tipo de homem não existe, possivelmente não vai encontrar, já que acabará se conformando com os trogloditas dos ambientes que você frequenta (não que haja algum problema com eles, trogloditas também amam). E se encontrar um cavalheiro, talvez nem o deixe fazer o que ele quer e acabe se adiantando a abrir a porta ou brigando para pagar a conta, quase se sentindo ofendida. Por uma questão cultural, de onde eu vim (Campo Grande, Mato Grosso do Sul) os homens estão mais para cavalos do que para cavalheiros, por isso eu realmente não estava acostumada. É claro, existem as exceções por lá, mas eles sofrem, justamente porque as mulheres não estão acostumadas.

O problema é que ter um homem cavalheiro exige um outro tipo de atitude de nossa parte. O cavalheiro só pode ser cavalheiro com uma dama. Se a gente já vai abrindo a porta antes do cara sequer pensar nisso, se agarra os pacotes pesados e fica brava por ele querer carregar (“tá me chamando de fraca?”), se nunca aceita ajuda e quer tudo do jeito da gente, nem o maior herói do cavalheirismo conseguiria fazer alguma coisa. Casar com um cavalheiro tem suas vantagens, mas tem as coisas que talvez não sejam muito bem aceitas por mulheres que querem ser “independentes”. Eu só fui namorar aos 24 anos e cresci sem pai, então sempre fiz todas as minhas coisas sozinha, de ônibus. Quando conheci meu marido, ele queria me levar nos lugares e me proteger. Eu achava que não precisava ser protegida e às vezes me irritava com o cuidado que ele tinha.

Então, esses homens cavalheiros acabam sendo desmotivados a serem assim porque nós, mulheres independentes, queremos que eles nos deixem fazer as coisas do nosso jeito. Ainda bem que ele não desistiu. E que eu acordei a tempo e entendi que deveria deixar ele cuidar de mim. Continua abrindo a porta, pagando as contas (embora hoje, casados há dez anos, nosso dinheiro vá todo para a mesma conta, não há divisão), carregando os pacotes (embora ele tenha se convencido a me deixar carregar quando está com a barriga costurada…rs) e cuidando de mim. Aprendeu a cozinhar e uma de suas grandes alegrias é fazer uma comidinha especial para a esposa. E eu tive que me habituar ao fato de que eu carrego a esposa dele por aí, então não posso simplesmente voltar à noite de ônibus se ele não pode me buscar e quer que eu pegue um táxi. Casamento é assim. Não posso querer tudo e não estar disposta a sacrificar nada. Algumas mulheres acham que deveriam estar em um pedestal, sendo adoradas e servidas, sem precisar fazer absolutamente nada pelos homens que estão com elas. Isso é o reinado da burrice.

Porque o meu marido sempre fez o melhor para mim, eu me vi na obrigação de deixar de ser teimosa e aprender a ser uma boa esposa e fazer o melhor para ele. Estou em débito com ele até hoje. Mas ele nunca fez as coisas por mim reclamando ou magoado por eu não fazer por ele. Pelo contrário, ele fazia com amor. Não tinha como ter outro futuro. Comecei a fazer o meu melhor para ele e ele já foi pensar em algum jeito para fazer mais por mim. Então desenvolveu a habilidade de cozinhar melhor que eu…rs.

Mas aqui em São Paulo, que tem uma cultura diferente do Rio Grande do Sul, muitas vezes ele foi me buscar em algum lugar e quis que eu oferecesse carona para alguma mulher que estivesse comigo. Na cabeça dele é um absurdo deixar uma mulher sozinha à noite em um ponto de ônibus, então ele faz questão de levar em casa, a menos que ele não esteja se sentindo bem e a pessoa em questão more muito longe. Já perdi a conta de quantas vezes tive que insistir com a pessoa e explicar que ele não estava oferecendo por educação e que se sentiria muito mal se ela rejeitasse. Que dificuldade de aceitar cortesia as mulheres têm hoje em dia!

Se você for segura o suficiente para se portar como uma dama e deixar os homens ao seu redor descobrirem o cavalheirismo que está escondido dentro deles, começará a descobrir que existem muito mais cavalheiros por aí do que você pensava.

 

Eu não tenho saco para a Copa

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Confesso que estou bem por fora da discussão “Vai ter Copa” x “Não vai ter Copa”. Atualmente, minha mente e meus esforços estão em coisas realmente práticas e úteis, e todas elas relacionadas ao meu trabalho e à minha vida pessoal (e quem me conhece sabe que ambos se fundem e eu não estou nem aí para quem diz que isso não deveria acontecer). A Copa – veja só – não faz a menor diferença na minha vida. Eu não posso parar o meu trabalho e a minha vida para ficar torcendo pela seleção de um punhado de homens que ganham muito mais do que a esmagadora maioria da população que para para vê-los jogar. Punhado esse que trabalha para um punhado ainda menor de homens que ganham ainda mais do que eles.

Mas sei que durante esse breve período, que a mídia alardeia ser um momento único e mágico (porque vendeu espaços publicitários mágicos no intervalo dos jogos, a preços estratosfericamente mágicos que aumentarão, magicamente, o recheio das contas bancárias de seus proprietários), a população, embevecida (desenterrei essa palavra), se esquece de seus problemas e atinge o êxtase ao ver a seleção lutar por uma vitória enquanto ela – a população – permanece estática, sem lutar e sem vencer coisa alguma. Mas se a seleção vence, é como se a vitória fosse de todos nós – olha que lindo! Então, a gente se sente menos mal por nossas frustrações particulares e públicas.

Anestesia. É mais ou menos isso o que esses momentos de emoção vazia trazem para quem bebe deles. Eu sou um ET que não gosta de feriados e um ET que não está minimamente interessado nesse mundial – e que também não está interessado em lutar contra o mundial. Não esperem por mim em passeatas segurando um cartaz escrito “Não vai ter Copa”. Vai ter Copa, a gente sabe que vai. Não sei exatamente como ela vai ser, com essa horda de bárbaros espalhada pelo país, principalmente perto das eleições, com a oposição desesperada para descredibilizar o Governo. Prefiro me ausentar um pouco do mundo, porque tudo promete caos e eu – sinceramente – tenho mais o que fazer.

Nessa vida cheia de guerras, lutas e batalhas (parecem a mesma coisa, mas nem toda luta é uma guerra, nem toda batalha é uma luta e poucas guerras têm só uma batalha), temos de escolher quais batalhas iremos lutar e de quais lutas vale a pena participar. Eu escolho as minhas guerras e a Copa não é uma delas. Eu amo o Brasil, amo ser brasileira e tenho simpatia por um certo patriotismo, mas não vejo nada disso nesse mundial. Vejo nesse mundial apenas interesses econômicos: da mídia, da Fifa, do Governo Federal, dos jogadores, dos governos estaduais, das empresas anunciantes que não estão nem aí para os figurantes que acompanham os jogos. Não estou advogando contra os interesses econômicos ou contra o capitalismo, estou apenas constatando um fato: a Copa nada tem a ver com patriotismo ou orgulho nacional. Sou contra a depredação do orgulho nacional, que os grupos políticos de oposição têm patrocinado, mas não posso tapar o sol com a peneira: a Copa não é do Brasil, não é pelo Brasil e não é para o Brasil.

Mas eu realmente espero que o Brasil sobreviva à guerra de interesses escusos que acontecerá travestida de festa do futebol. E que aqueles que também têm mais o que fazer não bebam desse alucinógeno verde e amarelo. Depois de nos induzirem a comprar alucinadamente no natal, festejar sei lá o que no carnaval, atrasar nossos trabalhos nos feriados absurdamente gigantescos do início do ano (em que também teríamos de comprar chocolates ovais superfaturados) e gastar horrores no dia das mães, agora querem nos fazer parar nossas vidas novamente, porque eles precisam ganhar mais um pouquinho do dinheiro que não temos. Não é isso que faz o Brasil ir para frente, me desculpem. Vou me isolar voluntariamente, com alívio. Tenho muita meditação a fazer, muitos livros para ler, muito trabalho para terminar e muitas pessoas para ajudar. Desculpe, Fifa e Globo, não vai dar para fazer figuração dessa vez.